Audiência destaca necessidade de políticas públicas para doenças hematológicas

A relação entre a doença falciforme, talassemia, hemofilia e o direito do trabalho foi debatida nessa terça-feira, 13 de novembro, durante audiência pública promovida pelo Ministério Público do Trabalho. O evento, que teve o objetivo de ampliar a compreensão do órgão sobre essas doenças, contou com a participação de representantes e parceiros do Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico da Faculdade de Medicina da UFMG (Nupad) e de outras entidades referência no tema.

Foto: Guilherme Gurgel

Segundo o procurador do trabalho Rodney Lucas Vieira de Souza, que presidiu a mesa diretora da audiência, é importante aprofundar a discussão sobre como a vida dos pacientes com essas doenças crônicas é afetada. A médica hematologista da Fundação Hemominas, Patrícia Resende Cardoso, esclareceu que a doença falciforme se trata da variação de um gene da hemoglobina, que faz com que a estrutura dessa proteína seja alterada, dificultando a circulação de oxigênio pelos tecidos. “É a doença genética mais frequente no mundo, principalmente na África e nas Américas”, informou Patrícia.

A coordenadora geral da Federação Nacional de Associações de Pessoas com Doença Falciforme (Fenafal) e presidenta da Associação de Pessoas com Doença Falciforme do Estado de Minas Gerais (Dreminas), Maria Zenó Soares Silva, destacou que os pacientes de doença falciforme, em sua maioria, são pessoas em vulnerabilidade social. “A maioria dos pacientes atendidos no Dreminas são beneficiários do bolsa-família e mais de 90% não completou o ensino fundamental, então são pessoas de baixa renda. As questões sociais que esses pacientes enfrentam são tão graves quanto a fisiopatologia da doença”, declarou Maria Zenó.

De acordo com ela, a doença falciforme é tão grave quanto a talassemia e hemofilia, mas por ser prevalente na população negra e de baixa renda, é negligenciada. O racismo institucional está entre as causas desse apagamento.  “As tecnologias de ponta do SUS chegaram primeiro para o tratamento da talassemia e hemofilia. Já o transplante de medula, que é a única possibilidade de cura, foi liberado para os pacientes de doença falciforme somente em 2015 e com uma restrição de idade que tinha pouco embasamento científico”, exemplificou Maria Zenó.

Durante sua fala na audiência, a psicóloga do Nupad, Isabel Pimenta Spínola Castro, afirmou que o despreparo das escolas em lidar com o tratamento da doença falciforme, somado ao racismo, aumenta a evasão escolar destes pacientes. “Com a baixa escolaridade, é difícil a inserção no mercado de trabalho e os trabalhos braçais que exigem força física são dificultados pelo próprio quadro clínico dos pacientes. A única solução para quebrar esse ciclo é o fortalecimento de políticas públicas”, completou Isabel.

Já no mercado de trabalho, algumas incoerências também são observadas por Maria Zenó. De acordo com ela, essas incoerências reforçam o preconceito e a dificuldade de inserção dos pacientes de doenças falciforme. “Comumente, os pacientes não conseguem benefício da previdência social por serem considerados aptos ao trabalho. Por outro lado, tivemos vários casos em que portadores da doença foram considerados incapazes para o trabalho ao serem aprovados em concurso público”, afirmou.

Maria Zenó destacou também o despreparo dos serviços de saúde da atenção básica e o preconceito existente no uso da morfina para as crises de dores, muitas vezes frequentes e intensas nos pacientes de doença falciforme. “Ao procurar o atendimento de urgência, em crise de dor intensa, é comum que os médicos acreditem se tratar de vício em morfina e administrarem medicamentos mais leves, desconsiderando os relatos dos pacientes”, disse Maria Zenó. Ela relatou ter encontrado essa situação diversas vezes como portadora da doença falciforme.

Avanços 

Entre as iniciativas positivas, foram destacados o pioneirismo do estado na realização da triagem neonatal, conhecida como “teste do pezinho”. Outro avanço destacado pela psicóloga do Nupad, Isabel Castro, foi o projeto “Saber para cuidar”, desenvolvido pelo núcleo com o objetivo de preparar profissionais da educação e da saúde básica para lidar com o tratamento e com as questões sociais ligadas à doença, principalmente em idade escolar.

Talassemia e Hemofilia

O evento também contou com a participação de Eduardo Maércio Fróes, vice-presidente da Associação Brasileira de Talassemia (Abrasta), que destacou a possibilidade de uma vida normal e com qualidade aos portadores da talassemia. para isso, é necessário que haja tratamento adequado. A talassemia consiste em uma anemia hereditária caracterizada pela baixa quantidade de hemoglobina. O tratamento é feito através de transfusões de sangue.

Segundo Eduardo, os pacientes da talassemia também encontram dificuldades para inserção no mercado de trabalho, devido às transfusões frequentes, feitas a cada 20 dias em média. “Os empregadores não são compreensivos com as ausências para tratamento e já tivemos casos de pacientes que não foram considerados aptos para o trabalho em concurso público”, comenta. De acordo com ele, uma solução possível é a flexibilização do horário para as transfusões, que atualmente acontece em horário comercial.

A presidenta da Federação Brasileira de Hemofilia (FBH), Tania Maria Onzi Pietrobelli, destacou os avanços alcançados pela Federação no tratamento da doença. “Atualmente, já é disponibilizado o treinamento dos próprios pacientes e familiares, para que sejam administradas doses domiciliares do medicamento, que permite que os portadores tenham uma vida normal”, afirmou Tânia.

Já a hemofilia é caracterizada pela falta de coagulação do sangue e é comum que ocorram hemorragias nas articulações quando o paciente ainda não iniciou o tratamento.  Tânia revela que o acesso ao tratamento em centros de ortopedia ainda é uma grande dificuldade para os pacientes da hemofilia, que sofreram sequelas por hemorragia.

Participantes da mesa diretora

Além do presidente da mesa, Rodney Lucas, também compuseram a mesa a procuradora do trabalho, Silvana da Silva Suckow, a procuradora regional da República, Eugênica Augusta Gonzaga, e o procurador de justiça, Bertoldo Mateus Oliveira Filho.