Tratamento da fenilcetonúria não favorece ganho de peso em jovens

Pesquisadora da UFMG avaliou percentual de gordura em adolescentes de Minas Gerais.

Estudo realizado com jovens de Minas Gerais em tratamento para a fenilcetonúria indicou uma prevalência muito próxima de excesso de peso entre eles e a população adolescente brasileira em geral. Os dados da pesquisa, que resultaram em dissertação defendida pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Faculdade de Medicina da UFMG, mostraram que a dieta para controle da doença não impacta diretamente na composição corporal dos adolescentes.

A pesquisadora Giovanna Camatta avaliou jovens acompanhados em MG. Foto: Rafaella Arruda.
A pesquisadora Giovanna Camatta avaliou jovens acompanhados em MG. Foto: Rafaella Arruda.

Doença genética rara que atinge um a cada 21 mil nascidos vivos, a fenilcetonúria caracteriza-se pela incapacidade do organismo de metabolizar a fenilalanina (phe), substância presente nas proteínas que, uma vez acumulada no corpo, pode provocar graves lesões cerebrais. Além de uma dieta restrita em proteína vegetal e animal, o tratamento baseia-se em uma mistura de aminoácidos (substituto proteico) que deve ser consumida diariamente para suprir as necessidades do organismo.

Para analisar a influência desse tratamento no estado nutricional de adolescentes, a nutricionista e pesquisadora Giovanna Camatta avaliou 94 jovens, entre 10 e 20 anos, diagnosticados precocemente para a fenilcetonúria e acompanhados pelo Programa de Triagem Neonatal de Minas Gerais (PTN-MG). A proposta do estudo foi compreender de que forma uma alimentação composta basicamente de frutas, hortaliças, alimentos ricos em carboidratos e também produtos industrializados poderia influenciar a composição corporal dos jovens, ou seja, o percentual de gordura corporal. O nível de atividade física praticado por eles e as concentrações de phe no sangue também foram considerados. “Queríamos saber se, de fato, a fenilcetonúria estaria levando a um aumento do sobrepeso nesses jovens, conforme estávamos observando com a prática clínica”, explica Giovanna.

Os 94 adolescentes incluídos na pesquisa representam 77% dos jovens diagnosticados e tratados em todo o estado a partir do PTN-MG. Eles foram acompanhados pelo período aproximado de um ano, durante as consultas periódicas ao Hospital das Clínicas da UFMG. “A avaliação era feita no dia da consulta, com coleta de sangue, exame de bioimpedância (para estimar o percentual de gordura e proteína no corpo) e aplicação de questionário para avaliar a atividade física”, cita a pesquisadora.

Sobrepeso e sedentarismo

O estudo revelou que os adolescentes com fenilcetonúria apresentam incidência de excesso de peso bastante próxima à da população adolescente brasileira. Como explica a nutricionista, os fatores associados ao primeiro grupo são os mesmos que influenciam o sobrepeso e obesidade dos jovens em geral, como ser do sexo feminino e ter o Índice de Massa Corporal (IMC) mais elevado: “O tratamento em si não favorece o ganho de peso dos pacientes com fenilcetonúria. Não é a doença que faz diferença na composição corporal”.

Outro resultado indicou que 97% dos adolescentes fenilcetonúricos são sedentários e que essa prevalência é maior do que na população brasileira com a mesma faixa etária. Segundo Giovanna, a maioria dos participantes só faz atividade física na escola: “Uma das hipóteses é a questão socioeconômica, pois a maioria dos meninos vêm de cidades muito pequenas, muitas vezes sem estrutura e mão de obra qualificada para terem o incentivo à prática da atividade física. Uma segunda questão é o estigma da doença, que pode reduzir a interação social e dificultar a prática de esportes”.

Adesão ao tratamento e consumo proteico

Tratamento da fenilcetonúria exige restrição alimentar. Foto: Rafaella Arruda.
Tratamento da fenilcetonúria exige restrição alimentar. Foto: Rafaella Arruda.

A pesquisa não encontrou associação entre o nível de gordura corporal dos jovens avaliados e o controle da doença, fator este medido a partir das concentrações de phe no sangue. “Esperava-se que os pacientes com baixa adesão à dieta apresentassem maiores percentuais de gordura corporal, como indicador de transgressão alimentar e consumo calórico mais elevado. Entretanto, a adesão ao tratamento não parece influenciar o percentual de gordura corporal”, declara Giovanna. “Acredita-se que o controle alimentar próximo à data do exame seja um fator colaborador para essa ausência de influência no percentual de gordura corporal”, completa.

Também não foi verificada relação entre o controle dos níveis sanguíneos de phe e a média do consumo de proteína. “Tem pessoa que come pequena quantidade de proteína e tem uma elevação de fenilalanina maior no organismo, outras comem mais e não elevam tanto os níveis sanguíneos da substância. Cada pessoa tem uma tolerância”, esclarece Giovanna.

A pesquisadora aponta ainda que não foi encontrada evidência sobre a contribuição do consumo proteico na variação do percentual de gordura da população estudada: “Há uma evidência estatística que mostra que o consumo deles de proteína é maior do que da população em geral, devido à mistura de aminoácidos, e que esse maior consumo favoreceria o aumento do peso, mas, do ponto de vista estatístico, também devido a uma tendência de omissão por parte dos jovens, os resultados não foram consistentes o suficiente para chegar a essa conclusão”.

Relação com o paciente

Os resultados do estudo mostram que, apesar da importância do controle alimentar na fenilcetonúria, esse não deve ser o único foco do tratamento. Segundo Giovanna, a percepção errônea do jovem de que a ausência de sequelas graves nessa fase da vida indica não ser mais necessária a restrição alimentar ou o consumo do substituto proteico pode agravar a adesão ao tratamento: “Muitas vezes o problema não é o retardo mental, mas o atraso de desenvolvimento, uma dificuldade de leitura, de aprendizado”. As questões sociais também influenciam a adesão. “A interação social na adolescência, a aceitação por parte dos outros faz com que o controle da dieta seja ainda mais difícil”, acrescenta.

Diante disso, o profissional de saúde deve se preocupar em aumentar a relação de confiança com o paciente. “Uma maior proximidade pode reduzir as omissões por parte do jovem. A gente pode compreender melhor as dificuldades do paciente e as razões da transgressão alimentar. Ele deve saber que somos aliados no tratamento”, conclui a pesquisadora.

Dissertação: 

Influência do consumo proteico, da prática de atividade física, do controle metabólico, do estágio de maturação sexual e do IMC no percentual de gordura corporal de adolescentes fenilcetonúricos.

Autora: Giovanna Caliman Camatta

Data da defesa: 21/03/2017

Orientação: Profa. Dra. Ana Lúcia Pimenta Starling