Suicídio é maior entre adolescentes e jovens negros

*Marcela Brito

Cartilha publicada pelo Ministério da Saúde mostra que essa população tem 45% mais chances de cometer suicídio

Foto: Carol Morena

O número de jovens e adolescentes que tiram a própria vida é maior na população negra. Dados divulgados em cartilha do Ministério da Saúde mostram que a cada dez suicídios na faixa etária de 10 a 29 anos, aproximadamente seis ocorreram com negros. O documento ainda alerta para maior risco de vulnerabilidade psicológica desse grupo, que enfrenta questões como preconceito, discriminação e racismo institucional.

O suicídio é a quarta causa de morte entre adolescentes e jovens no Brasil. O fenômeno é complexo, pois pode ser influenciado por diversos fatores, sendo o principal a depressão. Conforme aponta a cartilha “Óbitos por suicídio entre adolescentes e jovens negros 2012 a 2016”, divulgada no início deste ano pelo Ministério da Saúde, o sentimento de não pertencimento, de exclusão e de não aceitação de si estão entre os determinantes desse quadro.

Na população negra, esses determinantes podem estar relacionados a questões raciais, como a discriminação racial e invisibilidade social, inclusive, dentro das instituições. E os dados são alarmantes: jovens e adolescentes negros têm 45% mais chances de sofrer com o risco do autoextermínio, de acordo com dados da cartilha referentes a 2016. Entre adolescentes de 10 a 19 anos, o risco de suicídio é 67% maior se comparado às pessoas brancas da mesma faixa etária.

 “A invisibilidade social, suposta inferioridade e incapacidade, processos de rejeição, abusos e maus tratos são apontados como fatores influenciados pelo racismo e que reverbera entre a população de adolescentes e jovens negros”, comenta a mestra em psicologia pela UFMG e integrante da Rede Estadual de Mulheres Negras e da Partida, Larissa Borges.

A cartilha foi produzida com o objetivo de fornecer indicadores específicos sobre população negra mais jovem para auxiliar no desenvolvimento de estratégias de prevenção ao suicídio. O documento foi desenvolvido pelo Departamento de Apoio à Gestão Participativa e ao Controle Social da Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde.

Estrutura do racismo

O documento também mostra que a proporção de suicídios entre negros aumentou de 2012 a 2016 em comparação às demais etnias, passando de 53,3% para 55,4%.

“Uma sociedade estruturada no racismo como a brasileira inflige sofrimentos insuportáveis para a população negra e, equivocadamente, impõe o suicídio para essa população na medida que faz acreditar que é a única alternativa para cessar as dores sociais e existenciais geradas pelo racismo”, comenta Larissa Borges.

Quando o racismo está estruturado dentro das instituições, caracteriza o racismo institucional. De acordo com o estudante de Psicologia da UFMG, Vinicius Theofilo, integrante do projeto “Doença Falciforme: linha de cuidados de atenção primária à saúde”, do Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico (Nupad), é possível ver a diferença no tratamento recebido por pessoas negras na área da saúde por meio da análise de dados e pesquisas.

“No painel do SUS, por exemplo, ao comparar a taxa de mortalidade na doença falciforme entre pessoas negras e brancas, é possível ver que na população branca diminuiu o número de mortes enquanto na população negra aumentou”, comenta.

Atenção aos sinais

Pessoas que pensam em tirar a própria vida podem apresentar comportamentos que sinalizem sua intenção. De acordo com professora do Departamento de Saúde Mental, Maila de Castro Lourenço das Neves, na população jovem é preciso estar atento a alguns sinais, como a piora no desempenho escolar.

A professora Maila ainda destaca que a melhor forma de prevenção ao suicídio é o reconhecimento e tratamento das doenças psiquiátricas. “Transtornos relacionados ao humor, como a depressão e a bipolaridade, psicóticos e devido ao uso de substâncias são alguns exemplos”, comenta.

No entanto, o estigma em torno do suicídio junto a elementos estruturantes como o racismo contribuem para o silenciamento em torno da questão. “Muitas vezes tais sinais não são percebidos. Precisamos estar mais atentos com nós mesmos e com as pessoas ao nosso redor”, conclui a psicóloga Larissa Borges.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) ainda aponta que há três características comuns nas pessoas que tentam suicídio: ambivalência (conflito entre o desejo de viver e morrer), impulsividade (a tentativa é um ato impulsivo) e rigidez (as pessoas que pensam em suicídio têm pensamentos fixos e constantes sobre a prática).

Três perguntas:

Em entrevista, Larissa Borges conversa sobre o racismo e formas de combater o suicídio de jovens e adolescentes negros.

1. Quais são as possíveis causas para esse quadro?

LB: […] Para a população negra, ao longo da história, a possibilidade e o direito de decidir sobre a própria vida e morte tem sido expropriada. Escravização, políticas de miscigenação e branqueamento, violência obstétrica, mortalidade infantil, encarceramento em massa, subemprego, desemprego, miséria, são algumas das expressões sistêmicas deste complexo processo.

Os adolescentes e jovens negros têm suicidado mais porque têm sido mais expostos à violências e violações de direitos que geram dores insuportáveis. Ao mesmo tempo estes adolescentes e jovens têm tido menos acesso à direitos, oportunidades e perspectivas.

2. Há alguma forma de inverter esse quadro? Como? Quais ações poderiam ajudar nessa perspectiva?


LB: Para inverter este quadro precisamos combinar políticas públicas de combate ao racismo em todos os setores com ações afirmativas diversas, os movimentos sociais negros precisam ser valorizados, apoiados e visibilizados.  Além disso, todas as pessoas, em especial as que pensam em suicídio neste momento, precisam saber e sentir que quando nós, pessoas negras, temos acesso à referências positivas sobre nossa história e de nossos  antepassados,  ampliamos nossas possibilidades de construir  identidades afro centradas,  e podemos nos reconhecer de forma afirmativa. É possível e preciso sentir prazer e orgulho de ser quem se é, cultivando nosso amor interior e atuando coletivamente podemos curar as sequelas que o racismo impõem.

A experiência da escravização provou que mesmo em condições improváveis e extremamente adversas somos capazes de construir perspectivas de vida e projetos de mundo com condições de vida justas, equitativas e dignas. Juntos podemos mudar o rumo da história. Imagina, então, o que poderemos fazer por nós e pela humanidade quando não precisarmos mais enfrentar todas essas adversidades, injustiças, violências e desigualdades para existir?

 3. Como a sociedade e os órgãos podem auxiliar para a mudança dessas altas taxas de suicídio? Poderia citar algumas ações para exemplificar?


LB: Há muito que fazer e as possibilidades de atuação das pessoas e instituições são diversas. Vão desde a reflexão sobre a branquitude, mito da democracia racial e a desconstrução de privilégios raciais e de gênero, pelas pessoas brancas, passando pela criação de programas de combate ao racismo institucional, programas de ações afirmativas em todas as instituições. Pelo fortalecimento de políticas públicas como o Plano Juventude Viva, Fica Vivo, Programa Agentes Jovens, Pontos de Cultura. Pela mudança da política de comunicação e produção midiática de massas, pelo fortalecimento de rádios e TVs comunitárias, pela radicalização da popularização do acesso à internet. Passa também pelo acesso às ferramentas disponibilizadas pela psicologia, como a análise, oficinas de grupos e outras terapias.

Em todas essas ações a desconstrução do racismo, o desenvolvimento de ações afirmativas e a difusão de referências negras afirmativas são fundamentais. Vale ressaltar que, há diferenças importantes nos suicídios de pessoas dos diferentes gêneros, mas, em sua grande maioria, os suicídios não são atos repentinos, as pessoas que tentam suicídio vão dando sinais, pedindo ajuda e buscando alternativas antes de tentar encerrar a própria vida. Ao mesmo tempo, precisamos compreender que a construção de uma corresponsabilização coletiva por todas as vidas e mortes é um caminho mais saudável que a culpa, seja ela individual ou coletiva.

*Marcela Brito – estagiária de Jornalismo

Edição: Karla Scarmigliat