Fibrose Cística

Cidadão

Introdução

A fibrose cística é uma doença caracterizada pelo mau funcionamento das glândulas exócrinas, que produzem secreções e, através de um sistema de canais, as eliminam para fora do corpo ou para dentro de uma cavidade corporal.

As glândulas sudoríparas são glândulas exócrinas e o seu mau funcionamento torna o suor bastante salgado. Em outros locais do organismo, o mau funcionamento das glândulas exócrinas faz com que as secreções produzidas sejam mais espessas. As secreções mais espessas obstruem os canais de drenagem das glândulas. Os sistemas respiratório, digestivo e reprodutor são frequentemente acometidos e são responsáveis pela maior parte das manifestações da doença.

Por essas características, a fibrose cística é também conhecida como doença do beijo salgado ou mucoviscidose.

Nos pulmões, o muco (catarro) é dificilmente eliminado. Acumulado nos brônquios, o muco dificulta a passagem do ar e facilita a entrada e a permanência de bactérias, o que pode levar a várias lesões.

No pâncreas, as secreções produzidas obstruem os canais e levam à destruição progressiva do órgão. Como consequência, a produção das enzimas responsáveis pela digestão dos alimentos (gorduras, carboidratos, proteínas) é reduzida, bem como a absorção de algumas vitaminas. A pessoa não consegue ganhar peso adequadamente, o que pode evoluir para desnutrição.

Nos órgãos reprodutores masculino e feminino a obstrução de canais leva à infertilidade.

O exame de triagem neonatal, realizado em todos os recém-nascidos e conhecido como teste do pezinho, é fundamental para o diagnóstico precoce da fibrose cística, pois permite o início imediato do tratamento que garante melhor qualidade de vida ao paciente.

>> O tratamento e o acompanhamento dos pacientes, garantidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), por meio do Programa de Triagem Neonatal de Minas Gerais (PTN-MG), são feitos nos seguintes locais:

  • Ambulatório São Vicente – Hospital das Clínicas. Alameda Álvaro Celso, 271, 1º Andar, Santa Efigênia, Belo Horizonte – MG. (31) 3307-9566
  • Hospital Infantil João Paulo II – FHEMIG. Alameda Ezequiel Dias, 345, Santa Efigênia, Belo Horizonte – MG. (31) 3239-9001/9048
  • Ambulatório Amélio Marques – Hospital da Universidade Federal de Uberlândia. Av. Pará, 1720 – Campus Umuarama. (34) 3218-2454/2111/2112
  • Centro de Referência em Fibrose Cística (CAD) – Hospital da Universidade Federal de Juiz de Fora. Av. Eugênio do Nascimento, s/n – Dom Bosco. (32) 4009-5116
Diagnóstico

O exame de triagem neonatal, conhecido como teste do pezinho, permite o diagnóstico precoce da fibrose cística. O teste, feito a partir do sangue coletado do calcanhar do recém-nascido entre o 3º e o 5º dia de vida, permite identificar a quantidade de uma enzima produzida pelo pâncreas no sangue, a tripsina imunorreativa (TIR). Nas pessoas com fibrose cística, a TIR apresenta valor elevado.

Caso o resultado da triagem neonatal esteja alterado, nova amostra de sangue é solicitada, a qual deve ser colhida com até 30 dias de vida. Persistindo o valor alterado de TIR na segunda amostra, a criança é encaminhada para realização do teste do suor.

Confirmação Diagnóstica

A confirmação diagnóstica da fibrose cística é feita pelo teste do suor, um método que mede a quantidade de cloro no suor. A eliminação do suor em pessoas com fibrose cística é normal, mas a quantidade de sal é maior do que o normal.

Teste genético

Identifica as mutações que originam a fibrose cística.

Atualmente já foram identificadas mais de mil e quinhentas mutações genéticas responsáveis pelo surgimento da doença, sendo a mais comum denominada F508 del.

Para confirmação diagnóstica, por meio do teste genético, devem ser encontradas duas mutações, iguais ou diferentes.

Resultados negativos não afastam a possibilidade de a criança ter a doença. Porém, a análise de mutações pode confirmar casos duvidosos ou falso-negativos do teste do suor.

Com o diagnóstico, é possível iniciar imediatamente o tratamento, garantindo melhor qualidade de vida à pessoa com fibrose cística.

Manifestações Clínicas

Os sintomas e sinais da fibrose cística variam de pessoa para pessoa. Eles costumam aparecer nos primeiros meses de vida, porém, alguns pacientes podem não apresentá-los durante vários anos. Alguns sintomas são parecidos com os de outras doenças comuns da infância, o que pode confundir o diagnóstico.

As manifestações clínicas podem variar de leves a graves de acordo com a alteração genética (mutação) causadora da doença.

Dentre os sinais e sintomas mais comuns estão:

  • Dificuldade em ganhar peso e altura
  • Suor muito salgado (às vezes com cristais de sal na pele)
  • Desidratação
  • Fezes volumosas, brilhantes, muito fétidas e gordurosas
  • Diarreia
  • Tosse crônica e frequente, geralmente com muito catarro (muco)
  • Chieira
  • Pneumonias frequentes
  • Extremidades dos dedos dilatadas (baqueteamento digital)
  • Pólipos nasais/Sinusite crônica
  • Doença no fígado
  • Atraso no aparecimento dos sinais da adolescência (puberdade)

Problemas respiratórios

Nos pulmões, o muco (catarro) produzido é muito espesso e, por causa disso, é difícil eliminá-lo. Acumulado nos brônquios, o muco dificulta a passagem do ar e facilita a entrada e a permanência de bactérias, o que pode levar aos quadros de infecção.

Problemas digestivos

A fibrose cística pode afetar vários órgãos do aparelho digestivo. No pâncreas, as secreções espessas produzidas obstruem os canais e levam à destruição progressiva do órgão. Como consequência, a produção das enzimas responsáveis pela digestão dos alimentos (gorduras, carboidratos, proteínas) é reduzida, bem como a absorção de das vitaminas A, D, E e K. A pessoa não consegue ganhar peso adequadamente, o que pode evoluir para desnutrição.

Os pacientes apresentam fezes gordurosas, brilhantes, volumosas, com mau cheiro e com aumento do número de evacuações diárias.

Outros problemas relacionados à fibrose cística:

  • Íleo meconial: Ocorre ao nascimento da criança. É a consequência da obstrução do íleo (parte do intestino) pelo mecônio (fezes do bebê), que é muito espesso. Em alguns casos, é necessária cirurgia para a correção deste problema.
  • Refluxo gastresofágico: Consiste no retorno de alimentos presentes no estômago para o esôfago, podendo ou não sair na forma de vômitos/golfadas. Como consequência, a criança pode diminuir a ingestão dos alimentos e o ganho de peso.
  • Doença do fígado: Alguns pacientes podem apresentar alterações no fígado, podendo haver cirrose hepática nos casos graves.
  • Reprodução: Nos homens com fibrose cística, o canal que transporta os espermatozoides geralmente é entupido desde o nascimento. Por isto, quase todos os pacientes são inférteis. Nas mulheres, o muco do colo do útero e da vagina é muito espesso e elástico, dificultando a passagem dos espermatozoides no ato sexual. As alterações nas mulheres são menos intensas e sua capacidade reprodutiva pode ser menos prejudicada do que no homem.
Tratamento

O tratamento deve ser iniciado o mais cedo possível, para reduzir danos aos órgãos afetados pela doença. Quando realizado de maneira correta, melhora a qualidade de vida dos pacientes.

Antibioticoterapia

Antibióticos são usados para eliminar, reduzir a proliferação ou tratar infecções causadas por bactérias que são lesivas ao pulmão. Os antibióticos a serem usados são escolhidos tendo como base o resultado da cultura da secreção respiratória, que é colhida em todas as consultas dos pacientes. O médico pode prescrever antibióticos para serem tomados pela boca, inalados por micronebulização ou aplicados na veia.

Os antibióticos devem ser tomados exatamente como o médico orienta (dosagem, tempo e horário). Quando isto não acontece, a bactéria não é destruída e pode até ficar resistente ao remédio, gerando problemas respiratórios mais graves que necessitarão de outros antibióticos mais potentes (fortes).

Terapia de reposição enzimática

A maioria dos pacientes com fibrose cística necessita tomar enzimas que facilitarão a digestão e absorção dos alimentos.

É importante tomar corretamente a dosagem prescrita pelo médico. Uma dosagem menor que a recomendada não permite o ganho adequado de peso, podendo levar à desnutrição e o uso de uma dosagem maior pode causar problemas intestinais.

As enzimas devem ser tomadas antes de o paciente iniciar as refeições. As cápsulas poderão ser engolidas inteiras. No caso de crianças que não engolem cápsulas, estas devem ser abertas e oferecidas em uma colherzinha juntamente com um pouco de leite (inclusive leite materno), suco, iogurte ou fruta amassada.

Suplementação vitamínica e mineral

As vitaminas A, D, E e K dependem das gorduras para sua absorção. Na fibrose cística, em razão da falta de enzimas do pâncreas, elas não são absorvidas adequadamente. Portanto, é necessário fazer o uso diário das vitaminas, através dos suplementos.

Como a fibrose cística também causa perda de muito sal no suor, a ingestão do sal é muito importante para evitar a desidratação, a perda de peso e a falta de apetite. O sal deve ser administrado com água ou adicionado puro às mamadeiras e demais refeições. Deve ser dado também durante a amamentação, mesmo sendo um pouco mais difícil.

Fisioterapia respiratória

A fisioterapia deve ser realizada todos os dias. É um conjunto de exercícios, com técnicas específicas, que ajuda a soltar o muco dos pulmões, para facilitar a respiração. Alguns exercícios são muito simples e devem ser realizados em casa pelo menos duas vezes ao dia.

Além disso, há outras técnicas mais elaboradas, que são realizadas por fisioterapeutas, em clínicas especializadas. Se houver possibilidade, os pacientes devem também fazer este tipo de tratamento, além de manterem os exercícios diários realizados em casa.

Suporte nutricional

Por causa da perda de nutrientes pelas fezes, pela inapetência (falta da vontade de se alimentar) e pelo grande gasto de energia durante o dia, a pessoa com fibrose cística pode apresentar baixo peso ou desnutrição. A alimentação da pessoa com fibrose cística deve ter mais calorias, gorduras e proteínas. Caso seja necessário, o nutricionista poderá prescrever óleos e suplementos nas refeições.

O leite materno é o alimento de preferência para o bebê. Apenas quando não estiver ganhando peso com o leite materno, a equipe poderá indicar a complementação com outros tipos de leite.

Equipe Multiprofissional

O tratamento deve ser realizado em Centros de Referência, com equipes multiprofissionais, isto é, com profissionais de diferentes áreas da saúde.

A recomendação é que as consultas sejam feitas mensalmente, até um ano de vida. Depois, devem ser realizadas a cada três meses:

  • Nutricionista: Planeja e dá orientações sobre a alimentação para ganho e manutenção do peso adequado. Quando necessário, prescreve os suplementos alimentares. Em todas as consultas é responsável por monitorar o peso, estatura e a composição corporal, percebendo precocemente alterações nutricionais que podem ocorrer.
  • Pneumologista: Prescreve os antibióticos para combater as bactérias e outros remédios para melhorar e facilitar a respiração e a eliminação do muco, prevenindo as complicações do sistema respiratório.
  • Gastroenterologista: Determina a necessidade do uso de enzimas, suplementos vitamínicos e minerais para manter o estado nutricional adequado; avalia os outros órgãos digestivos (esôfago, estômago, intestinos e fígado); atua junto com o nutricionista diagnosticando o estado nutricional e propondo a conduta.
  • Fisioterapeuta: Ensina e avalia os exercícios respiratórios e as técnicas de micronebulização realizados em casa, para diminuir o acúmulo do muco nos brônquios. No caso das crianças pequenas, que não conseguem colher o escarro espontaneamente, este profissional realiza também a coleta do muco no dia da consulta.
  • Psicólogo: Lida com as emoções, os sentimentos e o desenvolvimento psicológico. É disponível para escutar e acolher a angústia, o sofrimento, a dor e os medos de cada paciente e sua família, ajudando-os a encontrar um modo mais leve de lidar com o cotidiano da doença.
  • Assistente social: Orienta sobre os direitos sociais, facilitando o acesso aos órgãos públicos ou redes de atenção, para a obtenção dos mesmos, como transporte, exames, medicamentos e benefícios da Previdência Social. Procura conhecer e acompanhar a dinâmica social de cada paciente. Nos casos de pouca adesão ao tratamento, abandono ou qualquer outra forma de violação dos direitos do paciente, faz contato com os órgãos de defesa do direito.
  • Enfermeiro: Reforça todas as prescrições da equipe multidisciplinar, como o uso correto dos medicamentos e suplementos alimentares e a dieta adequada. É o profissional responsável pelas orientações da limpeza dos equipamentos e do uso da dieta por sonda ou gastrostomia nos casos indicados. Atua no controle de infecção nos Centros de Referência.

Pode haver ainda a necessidade de outros profissionais como endocrinologistas, farmacêuticos, etc.

Profissional de Saúde

Introdução

A fibrose cística (FC) é uma doença genética autossômica recessiva causada por mutações em um gene que codifica a proteína Cystic Fibrosis Conductance Regulator, conhecida como CFTR ou canal de cloro. A CFTR, primariamente, é um canal iônico que regula o volume líquido sobre as superfícies epiteliais através da secreção e inibição da absorção de sódio.

Mais de 1600 mutações do gene codificador da CFTR têm sido descritas. A mutação mais comum é a Phe508del, a qual ocorre em até 90% dos pacientes de algumas regiões da Europa e Estados Unidos. Em Minas Gerais, aproximadamente 35% dos pacientes apresentam duas cópias da Phe508del e outros 35% apresentam uma cópia.

A FC é a doença genética limitante da vida mais comum em populações caucasianas, onde incide em 1:2.500 nascidos vivos. Em Minas Gerais, a incidência da FC é de 1:10.000 e essa parece ser também a incidência nacional aproximada da doença. A doença respiratória é a maior causa de sofrimento para as pessoas com a doença, as quais apresentam uma piora progressiva da função pulmonar. O volume expiratório forçado em 1 segundo (VEF1) é considerado o parâmetro funcional mais adequado na avaliação da gravidade da doença.

Nos últimos vinte anos a FC deixou de ser entendida como uma doença digestiva e pulmonar de crianças jovens e passou a ver vista como uma doença multissistêmica que agora alcança a vida adulta. Em breve, no nosso país, teremos mais adultos com FC do que crianças, tal como já acontece na Europa.

exame de triagem neonatal é fundamental para o diagnóstico precoce da fibrose cística. O diagnóstico precoce se associa a um melhor estado nutricional, o qual, sabidamente, se associa a uma maior sobrevida.

>> O tratamento e o acompanhamento dos pacientes, garantidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), por meio do Programa de Triagem Neonatal de Minas Gerais (PTN-MG), são feitos nos seguintes locais:

  • Ambulatório São Vicente – Hospital das Clínicas. Alameda Álvaro Celso, 271, 1º Andar, Santa Efigênia, Belo Horizonte – MG. (31) 3409-9566
  • Ambulatório Bias Fortes – Hospital das Clínicas. Alameda Álvaro Celso, 175, 5º Andar, Santa Efigênia, Belo Horizonte – MG. (31) 3409-9525
  • Hospital Infantil João Paulo II – FHEMIG. Alameda Ezequiel Dias, 345, Santa Efigênia, Belo Horizonte – MG. (31) 3239-9001/9048
  • Hospital Júlia Kubistchek (pacientes adultos). Rua Dr. Cristiano Resende, 2745, Araguaia, Belo Horizonte – MG. (31) 3389-7800.
  • Ambulatório Amélio Marques – Hospital da Universidade Federal de Uberlândia. Av. Pará, 1720 – Campus Umuarama. (34) 3218-2454/2111/2112
  • Centro de Referência em Fibrose Cística (CAD) – Hospital da Universidade Federal de Juiz de Fora. Av. Eugênio do Nascimento, s/n – Dom Bosco. (32) 4009-5116
Diagnóstico

Pacientes com FC possuem concentrações elevadas de sódio e cloro no suor. O padrão ouro para diagnóstico da FC é o teste do suor pelo método de Gibson & Cooke com a titulação do cloro no suor, sendo a coulometria a técnica mais indicada. Os seguintes pontos de corte são usados no diagnóstico da doença:

  • ≥ 60mmol/L: alterado;
  • ≥40 e < 60 mmol/L: intermediário (RN: ≥30- <60mmol/L)
  • < 40 mmol/L: normal.

O teste precisa ser realizado por profissional treinado e experiente, por esta razão, o diagnóstico geralmente é feito em centros especializados na doença. Profissionais de cuidados primários possuem um papel vital na identificação dos pacientes que precisam de investigação. Nos poucos casos em que o diagnosticado permanece duvidoso, a identificação de mutações ou a avaliação da diferença de potencial nasal e retal podem esclarecer o diagnóstico. São raros os casos de doentes com teste do suor normal e de não doentes com testes do suor alterado.

A triagem neonatal para fibrose cística faz parte do Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN) desde 2001. A metodologia envolve a realização da dosagem da Tripsina Imunorreativa (TIR) no sangue coletado entre o terceiro e quinto dia de vida através do teste do pezinho.

Em caso de exame alterado, nova coleta é realizada, em média, duas semanas após a primeira coleta, podendo ser realizada até o 30o dia de vida. Em caso de duas amostras alteradas, o recém-nascido é encaminhado para o teste do suor. Nos casos de teste do suor alterado ou intermediário os pacientes são encaminhados para acompanhamento em um dos centros de referência de FC do estado.

Manifestações Clínicas

A doença apresenta um amplo espectro de gravidade de sintomas. Aproximadamente 20% das pessoas com a doença podem ter manifestações leves. A doença se manifesta em muitos órgãos, notadamente nas glândulas do suor, vias aéreas superiores e inferiores, pâncreas, fígado, intestino e aparelho reprodutor. Aproximadamente 10% dos pacientes apresentam íleo meconial no período neonatal.

Na sua forma clássica, nos primeiros meses de vida, os pacientes apresentam:

  • dificuldade para ganhar peso
  • diarreia com esteatorreia
  • hiponatremia com desidratação
  • hipoalbuminemia
  • anemia
  • podem já estar presentes sintomas respiratórios recorrentes, como tosse, sibilância e pneumonias

Esses sintomas se estendem para os primeiros anos de vida e os sintomas respiratórios tornam-se progressivamente mais frequentes e graves. Surgem desnutrição crônica, baixa estatura e baqueteamento digital. Podem surgir quadros de pancreatite aguda, obstrução intestinal e prolapso retal.

Complicações como diabetes associado à fibrose cística (DAFC) e doença óssea associada à fibrose cística (DOAFC) tornam-se progressivamente mais frequentes à medida que o paciente se aproxima da idade adulta. A infertilidade atinge aproximadamente 40% das mulheres e 90% dos homens com FC.

Tratamento

Padrões de tratamento têm sido estabelecidos para proporcionar os melhores resultados para os pacientes. Comprovadamente, os pacientes se beneficiam do tratamento oferecido em centros especializados em FC por uma equipe multidisciplinar dedicada. O tratamento da FC prevê a reposição de enzimas pancreáticas, a monitoração do estado nutricional e a abordagem da desnutrição, a limpeza das vias aéreas com fisioterapia e com o uso de agentes mucoativos, a monitoração e tratamento precoce da infecção pulmonar e das exacerbações respiratórias.

A terapia de reposição enzimática consiste em administrar cápsulas de enzimas antes de todas as refeições, inclusive as lácteas. Apenas frutas e sucos podem ser ingeridos sem a administração de enzimas.

Abordagem nutricional

Na FC, nutrição e sobrevida estão intimamente relacionadas. A desnutrição na FC é causada pela insuficiência pancreática, pelo aumento das necessidades calóricas e pela diminuição da ingestão calórica. A desnutrição está associada ao declínio da função pulmonar e à infecção por P. aeruginosa. Além disso, é um fator preditivo de sobrevida independente da função pulmonar. As necessidades energéticas de pacientes com FC são estimadas como equivalentes a 120 a 150% das necessidades de indivíduos saudáveis, sendo que os lipídeos devem representar 40% dessas necessidades. Suplementos nutricionais são frequentemente prescritos. Em 10 a 15% dos pacientes, em algum momento da doença, suporte nutricional invasivo prolongado pode ser indicado. Nessa situação, frequentemente, indica-se a gastrostomia com administração noturna de dieta. A reposição de vitaminas lipossolúveis é essencial. A ingestão de sal deve ser aumentada, sendo realizada prescrição específica e rigorosa desse elemento no primeiro ano de vida.

Limpeza das vias aéreas

A limpeza das vias aéreas deve ser iniciada quando o lactente é diagnosticado. Crianças mais velhas e adultos devem dedicar pelo menos 30 minutos do dia à fisioterapia respiratória e à prática de atividades físicas. O tratamento fisioterápico deve ser adaptado, a cada sessão, à necessidade do paciente. Vários dispositivos mecânicos como máscaras de PEP, dispositivos de vibração e Acapella ajudam na mobilização do muco e podem ser usados pelo paciente de forma independente.

Agentes mucoativos são usados para melhorar a depuração do muco. O uso por curto prazo da solução salina a 6% ou 7% melhora a atividade mucociliar, a função pulmonar e reduz o número de exacerbações pulmonares. Não se conhece os resultados do uso prolongado dessas soluções. A Dornase humana recombinante degrada a grande quantidade de DNA livre que se acumula no interior do muco na FC, o que melhora as propriedades viscoelásticas das secreções e facilita a sua eliminação. O tratamento a médio e longo prazo com dornase humana melhora a função respiratória, a sobrevida e diminui o número de exacerbações respiratórias.

Controle e tratamento das infecções respiratórias

Algumas bactérias possuem a capacidade de colonizar cronicamente a via aérea dos pacientes, onde causam destruição progressiva e perda de função pulmonar. Apenas um percentual pequeno de pacientes não se torna colonizado.

As infeções respiratórias crônicas são as principais causas de hospitalização na FC. O S. aureus e a P. aeruginosa são os agentes que mais frequentemente colonizam esses pacientes. A prevenção da infecção é feita através do respeito às medidas de controle de infecção, segregando os pacientes durante as consultas e seguindo práticas rigorosas de higiene. Infecções iniciais devem ser tratadas agressivamente.

A infecção por P. aeruginosa é, junto com o muco espesso, a principal causa de perda grave de função pulmonar e redução da sobrevida na FC. Vários esquemas de tratamento mostraram-se eficientes na erradicação da primo-infecção por esta bactéria. Pacientes colonizados cronicamente por essa bactéria devem receber tratamento supressivo com antibióticos inalatórios. A colimicina e a tobramicina são os antibióticos mais usados.

As exacerbações pulmonares estão relacionadas à redução do volume expiratório forçado em 1 segundo (VEF1) e ao aumento da inflamação nas vias aéreas. Cada exacerbação impacta negativamente sobre a sobrevida. A queda do VEF1 que ocorre durante a exacerbação nunca é recuperada em 25% dos pacientes.  Além disso, exacerbações frequentes levam a piores escores nutricionais. Exacerbações respiratórias nos primeiros dois anos de vida é um marcador da doença pulmonar e estão associadas a uma pior função respiratória nos anos posteriores. Todas as exacerbações devem ser prontamente tratadas com antibiótico oral ou venoso, dependendo da gravidade.

Abordagem da inflamação

A inflamação está presente no paciente com FC já nos anos iniciais da doença e pode levar à obstrução da via respiratória com destruição progressiva e formação de bronquiectasias. A azitromicina, por suas características imunomoduladoras e anti-inflamatórias, é o agente mais usado. Ela reduz o número de exacerbações e a velocidade de perda da função pulmonar.

Complicações

A FC pode evoluir com várias complicações. O diabetes e a doença óssea associados à FC (DAFC e DOAFC) são as mais temidas. A DAFC ocorre em 9% das crianças, 25% dos adolescentes e 40% dos adultos com FC e está associado a um rápido declínio da função pulmonar. A maioria dos pacientes com DAFC não apresenta hiperglicemia de jejum e precisa ser triada com a realização periódica de testes de tolerância à glicose. O tratamento da condição é realizado com o uso de insulina e sem restrição de nenhum grupo de alimento. A DOAFC acomete principalmente adultos, pode levar a fraturas de arcos costais e vértebras, os quais levam a agravamento da doença pulmonar. É um fator que limita a realização do transplante de pulmão.

Adesão ao tratamento

A adesão ao tratamento é um desafio na FC. O tratamento requer a realização de atividades diárias cansativas e demoradas. Pacientes com dificuldades de seguir o tratamento proposto evoluem com maior velocidade de perda da função pulmonar, aumento do número das exacerbações pulmonares, pior estado nutricional e menor sobrevida. Planos terapêuticos precisam ser individualizados, discutidos e aprovados por todas as partes envolvidas no tratamento. Todo esforço deve ser feito para que paciente e cuidador compreendam o benefício do tratamento, principalmente das medidas preventivas, cujos resultados não são facilmente percebidos por eles.

Terapias moduladoras da CFTR

Drogas moduladoras da proteína Cystic Fibrosis Conductance Regulator (CFTR) têm sido desenvolvidas buscando corrigir o defeito iônico básico da doença. Moduladores da CFTR incluem os potenciadores, os quais agem restaurando a atividade de canais com defeito na abertura/fechamento, e os corretores, os quais agem resgatando, no interior da célula, a CFTR alterada. O Ivacaftor é um potenciador que liga-se diretamente à CFTR, o que resulta em uma nova regulação do canal de cloro, com regularização do transporte iônico. Ivacaftor mostrou-se seguro em pacientes portadores da mutação Gly551Asp e demonstrou uma alteração significativa no canal de cloro e uma melhora na função pulmonar. O efeito foi mantido por mais de 144 semanas. O efeito clínico também foi demonstrado em pacientes com outras mutações que levam a defeitos do controle de abertura ou condutância do canal. A mutação Phe508del leva a um defeito estrutural na CFTR, o qual a impede de alcançar corretamente a membrana celular.

O Lumacaftor é um corrector que age, no interior da célula, sobre o misfolding da CFTR causado por essa mutação. Ensaios clínicos realizados até o momento mostraram uma melhora modesta do VEF1 com o uso da combinação Ivacaftor/Lumacaftor em pacientes homozigotos para Phe508-del.

O tratamento com os moduladores da CFTR tem demonstrado que a fibrose cística não mais caminha para o tratamento apenas de sintomas, mas para a combinação do tratamento dos sintomas com o tratamento do defeito iônico básico, dentro de estratégias personalizadas. Com essa perspectiva, a sobrevida de pacientes com FC nascidos no século XXI não pode ser predita.

Geral

Dúvidas Comuns

1 – A fibrose cística é doença de família? Todos os meus filhos terão essa doença?

A fibrose cística é uma doença genética hereditária, isto é, passada dos pais para o filho. A doença só ocorre quando a pessoa recebe dois genes alterados, um do pai e um da mãe, que são sadios (transmissão autossômica recessiva). Nesta situação, a cada gravidez, o casal que possui genes alterados terá 25% de chance de ter uma criança com a doença, 50% de ter uma criança sadia e portadora do gene alterado (como os pais) e 25% de ter uma criança sadia e sem o gene alterado. Por isso, é recomendado o aconselhamento genético aos pais, mostrando a possibilidade de novos casos na família e a importância redobrada do diagnóstico logo ao nascimento.

2 – Quais as manifestações clínicas mais observadas?

Algumas manifestações clínicas mais comuns de serem observadas são a tosse persistente; dificuldade em ganhar peso e altura; fezes volumosas, muito fétidas e gordurosas; suor muito salgado.

3 – Qual o tratamento para a fibrose cística?

As bases do tratamento são a reposição das enzimas pancreáticas, o suporte nutricional, a eliminação do muco (mucolíticos e fisioterapia respiratória) e o tratamento das infecções pulmonares.

4 – Por que as secreções são viscosas na fibrose cística?

Todos nós produzimos secreções a partir das glândulas exócrinas, como suor e secreção pancreática. Na fibrose cística, as células dessas glândulas não excretam adequadamente sódio, cloro e água, produzindo secreções mais espessas e viscosas.

5 – Por que as pessoas com fibrose cística têm o suor salgado?

No caso das glândulas sudoríparas, a alteração faz com que o suor tenha maior quantidade de sal (sódio e cloro) do que o normal. As pessoas com fibrose cística podem se desidratar mais facilmente devido à maior perda de sal pelo suor.

6 – Porque a criança com fibrose cística precisa de uma dieta com muitas calorias?

É muito comum os pacientes ficarem desnutridos por causa da perda de nutrientes pelas fezes, pela inapetência (falta da vontade de se alimentar) e pelo grande gasto de energia durante o dia. Então, a alimentação deve ter mais calorias, gorduras e proteínas. Caso seja necessário, o nutricionista poderá prescrever óleos e suplementos nas refeições. Os suplementos devem ser tomados nos intervalos das refeições e não devem atrapalhar o almoço e jantar.