Distúrbios de Beta-oxidação Mitocondrial dos Ácidos Graxos

Cidadão

Introdução

O QUE SÃO:

  • Ácidos graxos são as menores partes das gorduras ingeridas pela dieta e armazenadas no nosso corpo para serem usadas em várias atividades necessárias à vida, entre elas, a produção de calorias.
  • Beta-oxidação é o nome técnico das ações que são necessárias para a transformação dos ácidos graxos em calorias (ou energia) dentro das nossas células.
  • Mitocôndria é uma parte da célula onde ocorre a beta-oxidação.
  • Portanto, defeitos da beta-oxidação mitocondrial dos ácidos graxos, significa defeitos da produção de calorias obtidas pela transformação das gorduras do corpo. E o defeito está nas atividades da mitocôndria.

Esses defeitos da beta-oxidação mitocondrial dos ácidos graxos são um grupo de doenças genéticas que fazem parte dos chamados erros inatos do metabolismo, o que quer dizer que a pessoa nasce com uma dessas doenças e, na maioria das vezes, elas são herdadas dos pais. Atenção: os pais não têm a doença, mas cada um tem uma mutação que pode ser transmitida para os filhos. Por isso são chamadas de doenças hereditárias autossômicas recessivas, por ser necessário que os dois – pai e mãe – possuam em seu DNA uma variante ou mutação que juntas no DNA da filha ou filha vão ocasionar a doença.

Por ter herdado as duas mutações a pessoa vai ter deficiência de atividade de uma das enzimas (proteínas especiais produzidas pelo organismo) responsáveis pela obtenção de energia das gorduras nas células do corpo. Nesse caso, a pessoa com uma dessas doenças não vai conseguir produzir o total de calorias que ela precisa quando estiver em jejum por um tempo maior. Essa deficiência de calorias vai resultar no aparecimento dos sintomas e sinais caraterísticos da doença herdada.  De maneira geral, essas doenças não são visíveis quando a criança nasce, mas podem aparecer desde as primeiras horas de vida até semanas, meses e mesmo anos depois do nascimento.

DIAGNÓSTICO PRECOCE:

O teste de triagem neonatal (TTN), conhecido como “teste do pezinho”, possibilita fazer o diagnóstico dessas doenças ainda que elas não estejam visíveis clinicamente. No teste são feitas dosagens de algumas substâncias específicas no sangue do recém-nascido. Se uma ou mais dessas substâncias está presente, aumentada ou diminuída – o que depende da doença que foi herdada – o exame é considerado suspeito para uma das doenças pesquisadas (ou triadas). Isso quer dizer que o teste do pezinho não dá o diagnóstico de uma doença, mas nos diz que há uma chance de a doença estar presente naquela criança cujo exame está alterado.  Se há suspeita de uma doença no teste do pezinho de um recém-nascido, ele deve comparecer ao Serviço de Referência (indicado e com a consulta marcada pelo Nupad) para ser consultado por especialista e para fazer os exames necessários para confirmar ou excluir a doença suspeitada.

O TTN possibilita que o tratamento seja iniciado o mais precocemente possível, evitando-se que a doença se manifeste ou diminuindo a gravidade de suas manifestações, possibilitando vida com mais qualidade.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS:

Como foi dito, os defeitos da beta-oxidação dos ácidos graxos são um grupo de doenças e as listadas a seguir são aquelas triadas pelo Programa de Triagem Neonatal de Minas Gerais, a partir de janeiro de 2022, por determinação da Secretaria de Saúde do Estado de Minas Gerais.

Deficiência de acil-CoA-desidrogenase de cadeia média (MCADD)

Essa é a doença mais frequentemente diagnosticada desse grupo. Em geral, se não diagnosticada no período neonatal (recém-nascido) ela começa a aparecer entre quatro e 24 meses de idade, mas também pode se manifestar até os quatro anos de idade. O quadro da doença é ocasionado por glicose baixa no sangue quando a criança fica em jejum por um tempo maior que quatro horas, nos períodos de alguma infecção e mesmo pela presença de vômitos. A glicose baixa causa lesões no cérebro e a criança fica mole, sonolenta, tem náuseas, dificuldade para se alimentar, podendo evoluir para coma. Outras maneiras de manifestação dessa doença é o aumento do fígado e problemas no seu funcionamento, vistos por exames de sangue específicos, fraqueza muscular e outras alterações.

A triagem neonatal possibilita a confirmação do diagnóstico e o início precoce do tratamento e de medidas preventivas. Com isso a baixa de glicose no sangue tem se tornado rara e as pessoas com a doença permanecem sem sintomas, se bem controladas.

Suspeita-se de MCADD no teste do pezinho pela existência de aumento de umas substâncias chamadas acilcarnitinas de cadeia média. Se elas estiverem alteradas no exame solicita-se uma nova amostra para novas dosagens. Se a alteração continua, a criança é encaminhada para consulta e realização de exames para confirmar ou excluir o diagnóstico.

 O diagnóstico é confirmado pelo aumento dessas mesmas substâncias dosadas no sangue, ou no soro, e na urina da criança.

TRATAMENTO:

O tratamento feito na chamada “fase aguda”, ou seja, quando a glicose do sangue está baixa, deve ser no hospital, pois é preciso usar glicose na veia do paciente. Pode ser necessária, de acordo com a avalição médica, a introdução de um medicamento chamado L-carnitina.

Na chamada “fase crônica”, em que a criança está sem manifestações pois não apresenta baixa de glicose no sangue, o principal objetivo do tratamento é evitar o jejum prolongado, ou seja, o intervalo de tempo entre duas refeições: em menores de um ano o jejum não deve ultrapassar quatro horas; em crianças acima dessa idade, jejuns de no máximo seis horas; em adultos o intervalo entre as refeições (jejum) não deve ser maior que oito horas.

 Para evitar que esses tempos de jejuns não sejam ultrapassados no período noturno é recomendado o uso de amido de milho cru (maisena) à noite. Essa substância consegue manter a glicose no sangue dentro de uma faixa adequada, enquanto a pessoa está dormindo. Está indicada a diminuição do uso de gorduras na dieta (de acordo com o prescrito pelo nutricionista que atende a criança). Os triglicérides de cadeia média (TCM), que são um tipo de gordura especial, não devem ser usados, portanto, alguns alimentos devem ser evitados o que vai ser orientado pelo nutricionista.

Deficiências de acil-CoA desidrogenase de cadeias muito longa (VLCADD), de 3-hidroxiacil-CoA desidrogenase de cadeia longa (LCHADD)

Os quadros clínicos dos defeitos da β-oxidação mitocondrial dos ácidos graxos são bastante parecidos. Em geral, apresentam alguma diferença em relação à predominância de sintomatologia relacionada à um órgão ou à um sistema do corpo que está mais acometido.  No caso de VLCADD e LCHADD os sintomas mais visíveis são fraqueza muscular e problemas no coração, mas também podem apresentar baixa de glicose no sangue, pelo mesmo motivo já relatado, ou seja devido à períodos de jejum prolongado.

Suspeita-se do diagnóstico de VLCADD, no teste do pezinho, pelo aumento das substâncias chamadas acilcarnitinas de cadeias muito longas e de LCHADD pelo aumento de acilcarnitinas de cadeias longas. Quando um primeiro exame está alterado é preciso repetir em uma nova amostra de sangue. Se persistir a alteração, a criança é encaminhada para confirmação do diagnóstico. Essa confirmação é feita pelo aumento dessas mesmas substâncias no sangue e na urina do paciente.

TRATAMENTO:

O tratamento tanto da “fase aguda” quanto da “fase crônica” é o mesmo que o instituído para MCADD. No entanto, não há necessidade de restringir de forma acentuada a ingestão de gorduras na dieta e os triglicérides de cadeia média não são proibidos, mas devem ter sua ingestão aumentada, de acordo com a prescrição do nutricionista que atende a criança.

Deficiência Primária de Carnitina

A carnitina é uma substância muito importante no transporte dos ácidos graxos para dentro da mitocôndria, onde ocorre a transformação dessas gorduras em calorias.

Na falta dela, o organismo não consegue obter as calorias que precisa quando a pessoa está em jejum ou tem um quadro infeccioso que aumenta a necessidade de energia.

A doença também não está visível quando a pessoa nasce, mas pode aparecer nos primeiros meses de vida, em geral com um quadro agudo de baixa de glicose no sangue, aumento do fígado e alterações do funcionamento hepático. Mais tarde, pode aparecer fraqueza muscular, dilatação e insuficiência do coração e morte súbita.

Suspeita-se da doença no teste de triagem neonatal quando a dosagem da carnitina está muito abaixo do valor normal. Uma segunda amostra do teste é solicitada e se a alteração se mantém é preciso confirmar a suspeita diagnóstica e a criança é encaminhada para o Serviço Especializado. Neste Serviço é feita a consulta da criança e os exames de dosagens da carnitina sanguínea e de ácidos orgânicos na urina são solicitados. A dosagem de carnitina confirma ou exclui o diagnóstico.

TRATAMENTO:

O tratamento é realizado pela administração oral de carnitina, por toda a vida do paciente.

É preciso informar que o tratamento impede as manifestações clínicas da doença, com excelente evolução do paciente.

Deficiência de Proteína Trifuncional

Essa proteína é um conjunto de três substâncias que agem interligadas na produção de calorias pelas gorduras de cadeias longas. Quando uma dessas substâncias tem seu funcionamento comprometido as outras duas também ficam deficientes ocasionando alterações na produção calórica do organismo.

Na maioria das vezes, o quadro clínico da doença é o mesmo da LCHADD, sendo clinicamente indistinguível. No entanto, pessoas com LCHADD têm maior incidência de sintomas oftalmológicos, como a disfunção da retina.

TRATAMENTO:

 O tratamento é o mesmo indicado para LCHADD.

Profissional de Saúde

Introdução

Os distúrbios da beta-oxidação mitocondrial dos ácidos graxos são um grupo de doenças no qual ocorre deficiência de uma determinada enzima, relacionada tanto ao transporte do lipídeo através da membrana da mitocôndria, caso da deficiência primária de carnitina (DPC), quanto naquelas intramitocondriais que atuam no ciclo da beta-oxidação propriamente dito, condicionando um erro inato do metabolismo desses nutrientes. Além da DPC, podem ser citadas a deficiência de acil-CoA-desidrogenase de cadeia muito longa (VLCADD), deficiência de 3-OH-acil-CoA-desidrogenase de cadeia longa (LCHADD), deficiência de acil-CoA-desidrogenase de cadeia média (MCADD) e deficiência da proteína trifuncional (MTPD), entre outras, sendo estas as doenças do grupo que estão sendo triadas pelo PTN-MG desde janeiro de 2022, conforme determinação da Secretaria de Saúde do Estado de Minas Gerias, gestora estadual do Programa.

Todas são herdadas de maneira autossômica recessiva e a MCADD é, possivelmente, o defeito mais frequente, também em nosso meio, com incidência geral, dependente da população avaliada, variando de 1:9.000 a 1:60.000 nascidos vivos.

Em projeto piloto desenvolvido pelo Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico (Nupad) a incidência de VLCADD, LCHADD e MCADD no estado seria de 1/37.000 nascidos vivos (dados ainda não publicados).

O teste de triagem neonatal (TTN) é fundamental para o diagnóstico precoce dessas doenças já que, em geral, os sintomas não se manifestam nas primeiras semanas de vida. O tratamento precoce evita ou minimiza as manifestações clínicas, em particular as descompensações metabólicas que, com frequência, podem ocasionar lesões neurológicas irreversíveis e mesmo óbito.

DIAGNÓSTICO PRECOCE

O diagnóstico é suspeitado pela realização do TTN, com dosagens da carnitina livre (C0) e das diversas acilcarnitinas no sangue (ver Quadro 1, a seguir). Confirma-se o diagnóstico em consulta especializada e dosagens das mesmas substâncias no sangue e de ácidos orgânicos na urina. É possível, ainda, confirmar a doença pela realização de painel de genes para erros inatos do metabolismo, tratáveis.

Quadro 1: Dosagens de carnitina livre e acilcarnitinas no TTN, por espectrometria de massa em tandem (MS/MS), para triagem dos defeitos da beta-oxidação intramitocondrial dos ácidos graxos.

Doença Analito dosado Valor de referência (µmol/L)
LCHADD C16-OH C18-OH Menor que 0,05 Menor que 0,05
MCADD* C10 C10:1 C6 C8 C8/C10 Menor que 0,29 Menor que 0,28 Menor que 0,14 Menor que 0,24 Menor que 1,89
VLCADD* C14 C14:1 C14:1/C16 C14:2 Menor que 0,57 Menor que 0,56 Menor que 0,25 Menor que 0,27
DPC** C0 Maior que 6,8
MTPD Mesmos analitos dosados para LCHADD  

*Alterações discretas em apenas um dos analitos não indica suspeita e não há necessidade de nova coleta ou de encaminhamento médico; ** em casos de alteração da dosagem de C0 é possível que os outros analitos estejam aumentados no sangue, por falta de transporte para o interior da mitocôndria.

Deficiência de Ácidos Graxos de Cadeia Média (MCADD)

Na Europa, 90% dos casos de MCADD apresentam a mutação A985G em homozigose ou heterozigose, no gene ACADM. O quadro clínico inicia-se geralmente entre quatro e 24 meses de vida, podendo às vezes se manifestar até os quatro anos de idade. A encefalopatia hipoglicêmica e caracteristicamente hipocetótica, clinicamente manifestada por letargia, náuseas, e mesmo coma, é o quadro inicial mais frequente, mas pode ocorrer, também, disfunção hepática com hepatomegalia, hipotonia por comprometimento muscular e crises de rabdomiólise e mioglobinúria. Algumas vezes há diminuição dos fatores de coagulação ocasionando o diagnóstico de síndrome de Reye. As manifestações dessas chamadas fases agudas de descompensação são, em geral, precedidas por jejum ou episódio de vômitos em decorrência de qualquer infecção.

Embora cerca de 20 a 50% dos pacientes evoluam para óbito no primeiro episódio de descompensação metabólica, os sobreviventes podem apresentar-se completamente assintomáticos nos períodos entre as crises (fase crônica).

Suspeita-se da doença no TTN pelo aumento de acilcarnitinas de cadeia média (principalmente C8 associado ao aumento de C10 ou da relação C8/C10 ou menos frequentemente ao aumento de C6). A dosagem de carnitina livre pode estar baixa, secundariamente.

Confirma-se o diagnóstico pelo perfil das dosagens quantitativas das acilcarnitinas no sangue e perfil dos ácidos orgânicos na urina, algumas vezes associados à presença de alterações clínicas características, presentes nas primeiras semanas de vida: hipoglicemia hipocetótica, acidose metabólica (em particular, se há descompensação), hiperlacticemia (durante jejum, com queda no pós-prandial) e aumento discreto de amônia sérica.   A dosagem de carnitina total pode estar normal e, nesse caso, o sequenciamento do gene ACADM é bastante útil.

TRATAMENTO:

O tratamento da fase aguda, em que há descompensação metabólica, é feito pelo uso de glicose intravenosa com objetivo de se manter a glicemia do paciente em torno de 100mg/dL. Assim que possível, são introduzidas as orientações dietéticas da fase crônica e, se há indicação médica em razão de dosagem baixa de carnitina sérica, inicia-se L-carnitina na dose de 100 mg/Kg/dia.

Nos períodos entre as crises agudas, fase crônica, o tratamento é dietético, tendo como objetivo primordial a prevenção da hipoglicemia, evitando-se o jejum por períodos considerados prolongados, a depender da idade do paciente. Em menores de um ano de idade, o jejum não deve ultrapassar quatro horas e em recém-nascidos pode ser necessária a complementação alimentar ao leite materno, com fórmulas lácteas comerciais, em geral nos dois ou três primeiros dias de vida. Em maiores de um ano não devem ser tolerados jejuns além de seis horas; em adultos, os jejuns não devem ultrapassar oito horas.

Utiliza-se amido cru à noite, evitando-se a diminuição da glicemia, na dose de 1,5 a 2,0 gramas/Kg/dose. Está contra indicada a utilização de triglicérides de cadeia média.

O tratamento deve ser mantido por toda a vida.

Deficiências de Acil-CoA Desidrogenase de Cadeias Muito Longa (VLCADD), de 3-Hidroxi Acil-CoA Desidrogenase de Cadeia Longa (LCHADD)

Os quadros clínicos das desordens de β-oxidação dos ácidos graxos são bastante parecidos, diferindo em geral, pela predominância de sintomatologia relacionada ao órgão/sistema mais acometido.  No caso de VLCADD e LCHADD, os sintomas mais expressivos são fraqueza muscular e cardiomiopatia crônica podendo também apresentar-se com coma hipoglicêmico, também relacionado aos episódios de jejuns prolongados.

Suspeita-se de VLCADD no TTN quando há aumento de acilcarnitinas de cadeias muito longas (C14; C14:1; C14:1/C16 e C14:2).

No caso de LCHAD, a suspeita é ocasionada pelo aumento das acilcarnitinas de cadeias longas (C16-OH e C18-OH). 

Em ambas a dosagem de carnitina livre pode estar baixa, secundariamente.

Confirmam-se os diagnósticos pelo perfil das dosagens quantitativas das acilcarnitinas no sangue e perfil das dosagens quantitativas dos ácidos orgânicos na urina.  O sequenciamento dos genes específicos é útil para a confirmação molecular, nesses casos.

TRATAMENTO:

O tratamento dessas duas formas não difere muito daquele indicado para a MCADD, tanto na fase aguda – com descompensação – quanto na fase crônica. Embora seja indicada restrição em relação à ingestão de gorduras, que não deve ultrapassar 30% da ingestão calórica total, é preciso salientar que 50% da gordura ofertada deva se dar sob a forma de triglicerídeos de cadeia média.

O tratamento deve ser mantido por toda a vida.

Deficiência De Proteína Trifuncional (MTPD)

A proteína trifuncional é, na verdade, um conjunto de três enzimas interligadas, localizadas na membrana interna das mitocôndrias e que participam da oxidação dos ácidos graxos de cadeias longas. O conjunto é constituído por uma cadeia alfa, contendo a enzima 3-hidroxi-acil-CoA desidrogenase e uma cadeia beta, com duas enzimas ativas, a hidratase e a tiolase. 

Ao comprometimento funcional dessas três enzimas dá-se o nome de Deficiência de Proteína Trifuncional da Mitocôndria (MTPD), que é decorrente de mutações nos genes que codificam o complexo enzimático.

O fenótipo é, na maioria das vezes, o mesmo da LCHADD sendo clinicamente indistinguível. No entanto, pacientes com LCHADD em decorrência da mutação c.1528G>C têm maiores concentrações de 3-hidroxi-acilcarnitinas e maior incidência de sintomas oftalmológicos, como a disfunção da retina.

TRATAMENTO:

 O tratamento é o mesmo indicado para LCHADD.

O tratamento deve ser mantido por toda a vida.

Deficiência Primária De Carnitina (DPC)

A carnitina é elemento chave no transporte dos ácidos graxos de cadeia longa através da membrana mitocondrial para serem metabolizados no chamado ciclo da beta-oxidação. Para tanto, ela precisa da ação de um transportador próprio (transportador orgânico de cátions2 – OCTN2), ao qual se liga, para conduzir os ácidos graxos até o interior da organela.

A deficiência primária de carnitina é ocasionada por falha na atividade desse transportador, o OCTN2, levando ao comprometimento do transporte de carnitina. Como o OCTN2 também impede a perda renal de carnitina, sua deficiência determina perda urinária que também colabora com níveis séricos mais baixos da molécula. De forma importante, a DPC impacta a produção de energia obtida pelo metabolismo dos ácidos graxos, em particular nos momentos de estresse metabólico e jejuns prolongados.

Tem incidência bastante variada, de acordo com a etnia da população, variando de 1/37.000 em algumas regiões da Austrália a 1/142.000 nascidos vivos nos Estados Unidos. As Ilhas Faroe apresentam a maior incidência mundial conhecida, de 1/300 nascidos vivos.

As manifestações clínicas podem ser precoces, geralmente iniciam-se nos primeiros meses de vida, em geral com descompensação metabólica, hipoglicemia hipocetótica, hepatomegalia, alterações de transaminases e mesmo encefalopatia hepática. Mais tardiamente, pode aparecer fraqueza muscular, cardiomiopatia dilatada e insuficiência cardíaca congestiva e morte súbita.

Suspeita-se da doença no TTN pela dosagem de carnitina livre (C0). Em geral, caso uma primeira amostra de sangue demonstre alterações – concentrações muito baixas, <8 µmol/L, uma segunda amostra é solicitada. Se a deficiência é confirmada, a criança é encaminhada para consulta especializada e fará exames para confirmação diagnóstica, que é feita por nova dosagem de carnitina sanguínea, dosagens de ácidos orgânicos na urina (que no caso encontram-se ausentes) e presença de variações genéticas patogênicas em estudo molecular.

TRATAMENTO:

O tratamento é realizado pela administração oral de carnitina, na dose de 100 a 150 mg/Kg, no máximo 3 g/dia, dividida em três doses diárias. Nos casos graves, com impossibilidade de uso da via oral, é possível fazer infusão venosa de carnitina, ainda não disponível no Brasil.

Cumpre salientar que o tratamento impede as manifestações clínicas da doença, com excelente prognóstico e deve ser mantido por toda a vida.

Referências

  1. Morris AAM, Spiekerkoetter U. Disorders of mitochondrial fatty acid oxidation and related metabolic pathways. In: Saudubray, JM, Baugartner MR, Walter J. Eds.  Inborn metabolic diseases, 6th ed, 2016. P.201-216.
  2.  https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK1424/