Oficina do Nupad capacita profissionais da Atenção Básica em Recife

Núcleo apresentou implicações da doença falciforme e estratégia de enfrentamento ao racismo institucional


Mesa de honra da oficina de capacitação em Recife. Foto: Arquivo pessoal

De acordo com a Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco, a estimativa para o estado é de uma criança com doença falciforme (DF) a cada 1,4 mil nascidos vivos e, a cada 23, uma criança seja identificada como portadora do traço falciforme (quando há transmissão parcial do gene, mas não há o desenvolvimento da enfermidade). Pensando nessa alta frequência de casos e a gravidade das consequências da doença, o Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico (Nupad) foi convidado a realizar uma oficina de capacitação aos profissionais de saúde na cidade de Recife – PE.

O evento, realizado no final de junho, através de uma parceria estabelecida com a Secretaria Municipal de Saúde da capital pernambucana (Sesau), teve o objetivo de aperfeiçoar o percurso dos pacientes com doença falciforme, desde os serviços da Atenção Básica até a alta complexidade.

Além disso, Carolina Martins Rabello, assistente de controle do tratamento da DF e membro do projeto Doença Falciforme: linha de cuidados de Atenção Primária à Saúde do Nupad, acrescenta que “o intuito foi sensibilizar sobre a doença falciforme para auxiliar a identificá-la, por meio dos exames disponíveis na rede, por exemplo, além de debater questões de enfrentamento e combate ao racismo institucional”.  Este é um problema comum enfrentado por esses pacientes, já que a doença falciforme é predominante em pessoas negras.  

Todos os oito distritos sanitários de saúde de Recife, grupos que contemplam as unidades de saúde por bairro, estavam representados na oficina. Participaram os profissionais da Atenção Básica como médicos, agentes comunitários de saúde (acs), profissionais da área de odontologia, representantes da saúde mental e da saúde das pessoas em situação de rua e membros da educação popular em saúde.

Na programação da oficina, foram apresentada três palestras:
. Doença falciforme e a saúde da população negra em Recife 
. Apresentação do projeto “Doença Falciforme: linha de cuidados de Atenção Primária à Saúde” do Nupad e introdução ao Racismo 
. Institucional Racismo Institucional na área da saúde

Entre as questões trabalhadas estava a classificação de risco no atendimento. A coordenadora da Política de Saúde da População Negra do Recife, Rosemary Costa dos Santos conta que seu Estado tem trabalhado em melhorar os caminhos da Atenção Básica, Média e de alta complexidade para a Doença Falciforme. “A partir do curso, foi pensado em atividades que podem ser reativadas nas unidades, como o atendimento da urgência e emergência com a classificação de risco dos pacientes. Isso pensando nas especificidades de pessoas com doença falciforme” ressaltou. 

Vivências no racismo institucional

Folder distribuído no evento

Ao apresentar a relação do racismo institucional no campo da Saúde, alguns profissionais conseguiram assimilar as práticas dessa discriminação no cotidiano das suas atividades. A pedagoga do projeto Doença Falciforme: linha de cuidados de Atenção Primária à Saúde do Nupad, Janaína Neres, destaca um dos relatos apresentados na capacitação: “Um profissional da saúde mental conta que acompanhava uma senhora que era negra. Ela tinha uma ferida e, por várias vezes, tentou a internação dessa senhora numa unidade hospitalar, entretanto, não conseguia. Ele percebeu que havia certa negligência e que isso estava relacionado ao racismo institucional”, conta.

“Em relação ao racismo institucional é importante trazer esse debate, porque ao se discutir o tema, sua existência é reconhecida. A partir disso, pensam-se os caminhos para prevenir, já que o racismo é uma questão que acaba sendo naturalizado”, enfatiza Rosemary Costa.

Herança histórica do racismo      

Para debater as implicações do racismo institucional em relação à doença falciforme, Yone Maria Gonzaga, pesquisadora da área de políticas públicas ligadas às questões étnico-raciais da Faculdade de Educação (Fae) da UFMG, atualmente vinculada ao Programa de Ações Afirmativas na Universidade. 

A educadora afirma que para compreender esse processo é necessário olhar para a história do Brasil a fim de perceber como a construção do racismo persiste nos dias atuais. “O racismo é algo que estrutura a formação do Estado brasileiro, é a organização de um processo de colonização. É um Estado que foi criado a partir desse processo e que as elites dirigentes não pensaram formas de enfrentamento desse racismo”, disse. 


Ornamentação da oficina de capacitação

Ela afirma que esse poder da informação permite que o racismo ainda esteja presente na sociedade. “Na realidade a manutenção do racismo se dá pelo seguinte paradigma: os indígenas foram mortos, os negros foram escravizados e os brancos construíram as teorias”, destacou. “A questão é que essas teorias serviram para encobrir os privilégios na realidade, assim a manutenção do racismo se dá porque há uma classe que quer a todo custo manter seus privilégios”, observa. 

Além disso, ressaltou que o mito da democracia racial no país persistiu por muitos anos. “Há uma igualdade formal que está na Constituição, na qual as pessoas não podem ser diferenciadas ou discriminadas por causa da cor da pele. Mas do ponto de vista de acesso de igualdade de oportunidade isso não se estabelece. Na verdade, nós somos diferentes, iguais enquanto raça humana, mas do ponto de vista social, somos completamente desiguais”, completou. 

Assim, todas essas questões foram trazidas para o contexto do serviço de saúde em Recife. “A intenção era compreender a doença a partir de um olhar ampliado e o que ela significa no contexto de Recife, onde a população é majoritariamente negra pobre, com menos acesso aos serviços de saúde”, enfatiza. “No caso da pessoa que tem doença falciforme, é fundamental compreender que esse indivíduo que está com dor, muitas vezes, é deslegitimada na sua fala por causa desses estigmas todos colocados sobre a população negra. Então é necessário compreender essas falas, que tem fundamento histórico no racismo”, continua.  

Por fim, ela frisa que a responsabilidade para combater o racismo é de todos. Além disso, o próprio Estado brasileiro deve estar comprometido com a estrutura que foi colocada pelos governos anteriores. “O Estado brasileiro tem de desenvolver políticas públicas para essas pessoas com doença falciforme porque foi ele mesmo que provocou tudo isso. O racismo foi algo construído pelas pessoas brancas”, pontuou.

“Então o enfrentamento ao racismo tem que ser assumido por todo mundo, por quem é negro, porque sofre as mazelas de uma forma muito mais direta, mas também por quem é branco, porque pode não se dizer racista, mas usufrui de todos os benefícios que a branquitude constitui”, concluiu.

Confira as foto do evento: