Doença falciforme é desconhecida para 47% dos brasileiros

Dia Nacional de Luta pelos Direitos das Pessoas com Doença Falciforme, celebrado nesta terça-feira (27/10), tem como objetivo de incentivar ações de esclarecimento, educação, informação e intensificação do diagnóstico da doença falciforme.

A doença falciforme é uma enfermidade crônica secular, mas ainda hoje é desconhecida por boa parte da população. Segundo estudo publicado recentemente pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope), cerca de 47% dos 2 mil brasileiros entrevistados desconhecem essa condição genética, que afeta 7 milhões de habitantes no país. A falta de conhecimento sobre a doença trava avanços na luta por direitos e dificulta maior inclusão dessas pessoas. Essa condição genética é caracterizada por alterações dos glóbulos vermelhos no sangue, que assumem o formato parecido com uma foice. Essa condição é mais comum em pessoas negras devido à origem no continente africano. Conhecer a enfermidade é um fator importante para o cuidado e a compreensão das necessidades das pessoas com a doença. Isso porque elas precisam de suporte médico e social devido às dores constantes e outras necessidades que podem comprometer a qualidade de vida. Porém, a mesma pesquisa do Ibope também mostra que dos entrevistados que dizem conhecer a doença, 6 em cada 10 não sabem que a doença leva à internação e que exige uso de medicações anestésicas fortes.

Joice Aragão: doenças crônicas exigem atenção com a pessoa e com a família. Foto: Carol Morena

“Há ainda uma grande necessidade de inclusão em direitos e situações a serem resolvidas com novas leis”, frisa a médica e coordenadora emérita da Política Nacional de Ação Integral às Pessoas com Doença Falciforme, Joice Aragão de Jesus. Na área da Saúde, houve avanços significativos na luta pelos direitos, encabeçadas pelo movimento negro e a academia. Um exemplo, é a criação da portaria 1391/GM de 16 de agosto de 2005, que instituiu no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) diretrizes para a política de atenção integral das pessoas com doença falciforme e outras hemoglobinopatias. Porém, Joice reforça a necessidade de as discussões abrangerem outras áreas, como a da educação e a do trabalho. “As pessoas com doença falciforme estudam, fazem curso superior, trabalham… como fica a questão do absentismo, com a necessidade de parar as aulas ou ausentar do trabalho por causa de crises de dor?”, questiona. “E as mães são fonte de renda de suas casas mas são cuidadoras de seus filhos, que precisam de cuidados diários?”, completa.

Racismo institucional

Das pessoas com doença falciforme e seus familiares, 98 % são beneficiários do bolsa família, 95% de população negra, dados da Associação de Pessoas com Doença Falciforme e Talassemia do Estado de Minas Gerais (Dreminas). O preconceito racial também dificulta maior inclusão e qualidade de vida das pessoas com doença falciforme.

“Quando falamos em população negra, estamos falando das pessoas menos favorecidas, na sua imensa maioria, além de pertencer às camadas desfavorecidas economicamente, são submetidas rotineiramente aos efeitos do racismo institucional ainda tão cristalizado”, comenta a presidente da Dreminas, Maria Zenó.

O racismo institucional dificulta o acesso e a qualidade da atenção integral, o que leva à maior vulnerabilidade e consequentemente o maior risco de intercorrências.

Luta

Maria Zenó: “são submetidas rotineiramente aos efeitos do racismo institucional”. Foto: Carol Morena

Maria Zenó explica que o movimento negro no Brasil tem um histórico importante na construção da luta pelos direitos das pessoas com doença falciforme, juntamente à academia, que busca avanços para melhor qualidade de vida. A criação do Lei 12104, em 2009, na qual instituiu o Dia Nacional de Luta pelos Direitos das Pessoas com Doença Falciforme, comemorado nesta terça-feira, 27 de outubro, é resultado desses esforços, assim como a criação das diretrizes para a política de atenção integral no SUS, em 2005, que abriu portas para mais 13 portarias. São também resultados da luta conjunta do movimento negro e da academia avanços, ainda em discussão no campo da pesquisa, em relação ao transplante de medula óssea, células tronco e terapia genica em pessoas com doença falciforme.

“O transplante de medula óssea cura pessoas, que passam a viver com o traço da doença, sem dores. Mas para chegar ao transplante o protocolo é rigoroso, por conta dos riscos que essa pessoa vai ser submetida ao realizá-lo. Por isso, precisamos que as pesquisas continuem avançando para que chegarmos num momento em que pode ser aplicada em todas as pessoas”, avalia a médica e coordenadora emérita da Política Nacional de Ação Integral às Pessoas com Doença Falciforme, Joice Aragão.

Nupad fomenta luta pelos direitos

Para Maria Zenó, o  Núcleo de Ações em Apoio Diagnóstico da Faculdade de Medicina da UFMG (Nupad) tem papel de importância na construção dessas políticas e avanços científicos. Isso porque atua com “excelência em diagnóstico e também na construção de outros projetos de pesquisa que mudaram a história natural da doença em Minas Gerais”.

O órgão complementar da Faculdade de Medicina da UFMG foi pioneiro na implantação da triagem neonatal para doença falciforme e realiza testes para a detecção da doença pelo SUS desde março de 1998. O programa abrange todos os 853 municípios do estado e cerca de 94% dos recém-nascidos.

“A triagem neonatal proporcionou maior visibilidade da doença, evidenciando sua importância na saúde pública”, conta pediatra que atua como referência técnica para doença falciforme no Nupad, Ana Paula Pinheiro Chagas Fernandes.

Ela conta que o Nupad desenvolveu projetos com foco na atenção primária com a capacitação das equipes de saúde/ CEHMOB, atenção secundária, com a Projeto Atenção Especializada (PAE), atenção às gestantes com doença falciforme, por meio do projeto Aninha, e esteve participante nas mesas de discussão e formulação das políticas públicas voltadas para as pessoas com doença falciforme tanto municipais como estaduais e federais.

“O trabalho do Nupad em parceria com a Dreminas e a Fundação Hemoninas para apoio social às famílias, educação e informação vem, ao longo do tempo colaborando para o acolhimento humanizado às famílias”, completa Ana.

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