Pesquisa identifica fatores genéticos associados à hemoglobina fetal na anemia falciforme

Resultados podem contribuir para melhorar curso clínico da doença.

O aumento da Hb favorece a sobrevida de pessoas com doença falciforme. Arte: Faculdade de Medicina UFMG
O aumento da Hb favorece a sobrevida de pessoas com doença falciforme. Arte: Faculdade de Medicina UFMG

Um dos elementos responsáveis por melhorar a condição clínica das pessoas com doença falciforme, a hemoglobina fetal (Hb F) tem sua produção definida por uma soma de fatores genéticos. Para verificar a relação entre um conjunto específico desses fatores e a produção de Hb F na anemia falciforme, forma mais grave da doença, estudo da UFMG avaliou amostras sanguíneas de 233 crianças e jovens com a doença acompanhados pela Fundação Hemominas, em Belo Horizonte. Os resultados da pesquisa, presentes em dissertação defendida pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Faculdade de Medicina da UFMG, indicaram que sete fatores, existentes nas regiões BCL11A e HBS1L-MYB do DNA, têm ligação direta com a concentração da Hb F em pessoas com anemia falciforme, além de associarem-se a outros elementos hematológicos importantes no curso clínico da doença.

De acordo com a bióloga e autora da pesquisa, Rahyssa Rodrigues, há muitos estudos e evidências clínicas que demonstram a ligação entre Hb F e doença falciforme: “O aumento da Hb F está associado ao aumento de sobrevida dos pacientes, aumento de sobrevida das hemácias (glóbulos vermelhos), diminuição de episódios como a síndrome torácica aguda e outros”. Segundo Rahyssa, isso ocorre porque a Hb F evita o acúmulo (polimerização) da Hb S no sangue. Esse acúmulo da Hb S, hemoglobina variante que predomina nas pessoas com doença falciforme e tende a assumir o formato de foice em condições de baixa oxigenação, é um dos fatores que desencadeia complicações como obstrução dos vasos sanguíneos, crises de dor, anemia e infecções. “A Hb F inibe essa polimerização e pode levar a um fenótipo menos grave da doença”, informa.

A pesquisadora explica que, por uma questão evolutiva, as pessoas com doença falciforme tendem a apresentar uma quantidade maior de Hb F em comparação à população geral. “Normalmente, a Hb F começa a ser produzida a partir do terceiro mês de gestação e predomina no organismo em relação à Hb A (hemoglobina do adulto) até uns três meses após o nascimento. O nível da Hb F estabiliza-se depois com concentração residual por volta de 1%”, declara. Já nas pessoas com doença falciforme, a estabilização da Hb F ocorre apenas por volta dos cinco anos e a quantidade total é muito variável. “E há as estratégias terapêuticas para aumentar essa concentração ao longo da vida, como, por exemplo, o medicamento hidroxiureia e as transfusões sanguíneas”, pontua.

Fatores genéticos e Hb F

A pesquisadora Rahyssa Rodrigues avaliou fatores genéticos associados à Hb F na doença falciforme. Foto: Rafaella Arruda.
A pesquisadora Rahyssa Rodrigues avaliou fatores genéticos associados à Hb F na doença falciforme. Foto: Rafaella Arruda.

O estudo buscou avaliar a associação entre fatores genéticos de três principais regiões do DNA envolvidas na regulação da Hb F (BCL11A, HBBP1 e HBS1L-MYB) e a concentração relativa total da hemoglobina. Trata-se do primeiro estudo sobre regulação genética da Hb F em pessoas com doença falciforme de Minas Gerais. “Avaliamos crianças e jovens entre os cinco e 18 anos, diagnosticadas com anemia falciforme a partir da triagem neonatal e acompanhadas no Hemocentro de Belo Horizonte”, cita Rahyssa.

Para cada fator genético estudado, 11 no total, a pesquisa comparou a média de Hb F entre os diferentes genótipos. “Concluímos que sete fatores genéticos, localizados nas regiões BCL11A e HBS1L-MYB do DNA, estão associados à concentração de Hb F na população pediátrica com anemia falciforme de Minas Gerais”, afirma a bióloga. O estudo também encontrou uma média de 13,25% de Hb F no grupo de crianças estudadas. “Os resultados corroboram a maioria dos estudos previamente publicados em outros países”, acrescenta.

Além disso, foram encontradas associações com outras características hematológicas importantes da doença falciforme, como a concentração de Hb total, saturação periférica de oxigênio e contagem de reticulócitos, leucócitos e plaquetas. Um dos fatores genéticos localizado na região HBS1L-MYB, por exemplo, foi significativamente associado ao aumento de Hb F, Hb total e oxigênio e à diminuição da contagem de leucócitos e reticulócitos. Como explica Rahyssa, os leucócitos estão relacionados à resposta inflamatória, portanto, quanto maior a quantidade, maior a tendência de estar ocorrendo inflamação. Já os reticulócitos são precursores das hemácias e produzidos na medula óssea: “É normal a quantidade estar aumentada na doença falciforme para ‘compensar’ a destruição das hemácias”.

Prática clínica

Rahyssa aponta que os resultados da pesquisa são promissores, uma vez que revelou evidências não apenas em relação à Hb F, mas a outros fatores hematológicos importantes da doença: “As associações encontradas podem auxiliar na identificação de crianças com maior ou menor probabilidade de desenvolver a doença falciforme em sua forma clínica mais grave e, assim, serem úteis na conduta clínica dos pacientes por parte dos médicos e responsáveis”.

A perspectiva também é identificar novos alvos farmacológicos e terapêuticos para tratamento da doença. Segundo a pesquisadora, se for possível identificar os mecanismos genéticos e moleculares que aumentam a Hb F, podem ser propostos recursos que elevem a Hb F nesses pacientes para melhoria do curso clínico. “Até o momento só há a hidroxiureia, mas talvez a gente possa fazer isso em uma terapia gênica, por exemplo”, opina. “Em Minas foi um estudo pioneiro, mas precisamos de validação em outras populações”, completa.

Dissertação: 

Avaliação da modulação dos níveis de hemoglobina fetal em crianças com anemia falciforme triadas pelo Programa de Triagem Neonatal de Minas Gerais e acompanhadas no Hemocentro de Belo Horizonte da Fundação Hemominas

Autora: Rahyssa Rodrigues Sales

Data da defesa: 29/05/2017

Orientação: Prof. Dr. Marcos Borato Viana

Coorientação: Dr. André Rolim Belisário