Pressão arterial pode ser indicador de prognóstico na doença falciforme

Pesquisa da Faculdade de Medicina da UFMG sugere que variação da pressão arterial durante exercícios físicos pode ser preditor de prognostico na doença falciforme.

Christiano: “Exercício físico pode ser uma ferramenta interessante na qualidade de vida de pessoas com DF”. Foto: Carol Morena

O estudo desenvolvido pelo cardiologista Christiano Gonçalves de Araújo, com orientação da professora do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG, Maria do Carmo Pereira Nunes, buscou avaliar a função cardíaca e determinar fatores prognósticos da doença falciforme (DF).

O acompanhamento das pessoas com DF foi por meio de avaliação clínica seguida de propedêutica cardiovascular, que consistiu em teste ergométrico, ecocardiograma transtorácico e dosagem de Brain Natruiretic Peptide (BNP), ou peptídeo natriurético cerebral, todos com o objetivo de estudar a função cardiaca.

O estudo do médico acompanhou 120 pessoas com DF por, no mínimo, seis meses. Foram avaliadas a qualidade de vida, ocorrência de eventos clínicos e possíveis complicações cardiológicas advindas da doença nos pacientes. “Nosso objetivo foi observar como os pacientes se comportavam do ponto de vista cardiológico e que possíveis alterações poderiam apresentar impacto em relação à ocorrência de eventos ou complicações relacionadas à doença”, conta Christiano. “No estudo percebemos que o comportamento da pressão arterial durante o esforço físico se mostrou um fator determinante em relação à ocorrência de complicações que um paciente pode ter”, revela.

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O trabalho faz parte de uma rede de pesquisas desenvolvida pela Fundação Hemominas em parceria com o Hospital das Clínicas da UFMG e o Nupad, denominado Projeto Atenção Especializada (PAE): Organização de Protocolos e Fluxos Assistenciais na Atenção Especializada para Doença Falciforme em Belo Horizonte.

Pressão arterial e exercícios físicos
Segundo o médico, uma resposta pressórica anormal ocorre em casos que a pressão arterial permanece igual, se eleva muito pouco ou até cai durante o exercício físico. “É esperado que a pressão arterial sistólica se eleve acima de um valor mínimo durante o exercício. Caso contrário, esse paciente faz parte de um grupo que teve ou terá mais complicações clínicas do que aqueles que tiveram uma resposta normal”, esclarece o cardiologista.

Com o dado da resposta pressórica, médicos poderão avaliar pacientes com mais riscos de complicações e, assim, determinar a periodicidade e possíveis mudanças no acompanhamento necessário para cada caso. “Talvez a pressão arterial possa se tornar uma ferramenta clínica, aliada a outros fatores já muito utilizados, como a contagem de hemoglobina”, sugere.

Esse é o primeiro estudo que envolve essa combinação de testes cardíacos em número elevado de pacientes com doença falciforme. Para o autor, um fator importantíssimo nos resultados da pesquisa foi o teste ergométrico, ou teste de esforço, que avalia as repercussões cardiovasculares e as respostas gerais do paciente quando submetido a um esforço físico progressivo.

“Sempre houve resistência a recomendar o exercício físico para pacientes com DF”, conta. “Com a hemoglobina baixa, o transporte de oxigênio fica muito prejudicado e pode causar episódios agudos da doença. As hemácias falciformes podem obstruir a microcirculação, causando crises de dor geralmente de causa óssea e muscular”, explica.

Entretanto, o estudo conseguiu demonstrar que, de modo geral, o exercício físico é seguro e pode ser uma ferramenta interessante na qualidade de vida de pessoas com DF. Porém, ele adverte que é preciso cautela: “Não é como se pudéssemos agora prescrever qualquer tipo de exercício para o paciente portador de DF. É preciso alguns cuidados, saber os limites do corpo, precauções individualizadas, qual a frequência cardíaca ideal para o paciente e outros parâmetros”, alerta o cardiologista.

Viver com DF
De acordo com o pesquisador, em função do recente aumento de sobrevida das pessoas com DF, complicações cardiológicas passaram a ser mais bem descritas. “Antes, a expectativa de vida de um paciente com DF era de 30, 40 anos. Essas pessoas morriam de infecção, maior incidência de complicações relacionadas à doença devido ao não uso de hidroxiureia (medicação importante no tratamento), menor conhecimento da doença e, em alguns casos, qualidade e complicações relacionadas ao uso constante de hemoderivados”, explica Christiano.

“Agora, com drogas que diminuem a incidência de complicações da DF e outras que tratam o acometimento orgânico sistêmico relacionado a essa doença, além do maior cuidado com os hemoderivados e melhor condução clínica dos casos, a sobrevida aumentou. Surgiram complicações cardiológicas que até então eram pouco ou nada descritas”, completa o médico.

Christiano pontuou o perfil da população com doença falciforme, relacionando com a herança africana do gene. “Em geral, a população com doença falciforme é uma população de histórico negligenciado”, conta. Para ele, é importante que se faça esse tipo de pesquisa, pois os pacientes, muitos de baixa condição sociocultural, necessitam de suporte social, acompanhamento clínico pormenorizado e de novas descobertas que auxiliem no cuidado. “É importante descobrirmos novas ferramentas para melhorar o prognóstico, orientar melhor o paciente e inclusive prescrever coisas aparentemente tão simples como a atividade física”, conclui.

Exercice testing in patients with sickle cell disease: Findins and potential prognostic implication
Autor: Christiano Gonçalves de Araújo
Nível: Doutorado
Programa: Ciências da saúde, infectologia e medicina tropical
Orientadora: Maria do Carmo Pereira Nunes
Coorientador: Antonio Luiz Pinho Ribeiro
Data da defesa: 2 de fevereiro de 2018

Redação: Carol Prado – estagiária de jornalismo
Edição: Mariana Pires