Biomédica brasileira que vive no Níger compartilha experiências

Genilda apresenta álbum com imagens do trabalho realizado no Niger. Foto: Rafaella Arruda.

Levar à população do Níger o conhecimento sobre a doença falciforme e criar melhores condições para o diagnóstico e tratamento da doença. É essa a motivação da biomédica Genilda Lino, brasileira que se mudou para o continente africano há cerca de 20 anos e hoje, após morar em Guiné Bissau, Moçambique e Senegal, coordena o Programa de Triagem Neonatal do Níger.

Durante a segunda visita feita ao Nupad (a primeira ocorreu em 2013), entre os dias 16 e 18 de março, Genilda pôde conhecer melhor as atividades laboratoriais e educativas realizadas no âmbito do Programa de Triagem Neonatal de Minas Gerais (PTN-MG) e compartilhou suas experiências em reunião do grupo de racismo institucional, no Cehmob-MG. “Esta visita é muito importante para a consolidação e extensão do nosso programa de triagem neonatal e de tratamento às pessoas com doença falciforme. Minas é um centro de apoio”, declarou a biomédica.

Em encontro no Cehmob-MG, que reuniu representantes do Centro, Nupad, Fundação Hemominas e Associação de Pessoas com Doença Falciforme e Talassemia de Minas Gerais (Dreminas), Genilda falou do trabalho realizado no país africano: “Eu fui para o Níger com minha experiência de professora universitária, especialista em Histologia e Embriologia, e muito desejo de multiplicar esse conhecimento”. A biomédica já havia morado em Guiné Bissau por oito anos e lá, durante trabalho vinculado ao Ministério da Saúde, começou a se interessar pela doença falciforme. A realidade do país, de endemia para a malária e dificuldade para diagnóstico da doença, fez Genilda desconfiar que os casos suspeitos fossem, na verdade, devidos à doença falciforme. “Comecei a pesquisar sobre o assunto e soube das ações realizadas no Brasil”, contou.

Triagem Neonatal

Após mudar-se para o Níger, Genilda decidiu apresentar um projeto para implantar a triagem neonatal para a doença falciforme. “É difícil ficar calada diante da necessidade tão grande de um país que tem 22% de traço falciforme (caso em que a pessoa não tem a doença, mas pode transmiti-la aos filhos caso os tenha com alguém que também tenha o traço) e se esforça para estabelecer um tratamento para o paciente, quando eu entendo de triagem neonatal e conheço um centro que faz isso muito bem”, observou a biomédica em referência ao Nupad. O projeto deu origem ao Programa de Triagem Neonatal do Níger, oficialmente iniciado em 19 de junho de 2015, dia mundial de conscientização da doença falciforme.

Apresentação no Cehmob-MG. Foto: Rafaella Arruda.

Coordenado por Genilda a partir do Centro Nacional de Referência da Drepanocitose (ou Doença Falciforme) do Níger, o Programa funciona atualmente na maternidade central do país e será estendido para outras três. “O plano piloto foi estabelecer a rotina e o protocolo de coleta, treinar parteiras (responsáveis pela coleta), perceber as dificuldades e saber como resolvê-las”, informou.

Com a inclusão das outras maternidades no Programa, o que totaliza cerca de 1,5 mil partos por mês, a expectativa é que sejam processadas mil amostras mensais da triagem neonatal: “A perspectiva é alcançarmos 12 mil famílias no Programa. E eu não penso só nas crianças que serão triadas, mas na família, porque o resultado influencia a todos e, no aspecto africano, trata-se de uma família estendida, o que traz um reflexo mais abrangente”.

África e cultura

Ao relatar a experiência de vida em países africanos, Genilda falou da importância do cruzamento de culturas. “O conhecimento chega à África empacotado com a visão Ocidental. Então é preciso um entrelaçamento do saber: você não volta como entrou e uma parte de você também fica lá. Senão, não vale nada”, destacou. Assim, segundo ela, para levar o trabalho adiante é necessário se adaptar aos novos costumes, como roupas, linguagem e postura.

Também presente à reunião, a coordenadora do Centro de Estudos Africanos da UFMG (CEA), Vanicléia S. Santos, comentou sobre os relatos da biomédica: “Fico muito feliz com a visão antropológica trazida pela Genilda ao narrar sua experiência com as mulheres da Guiné e do Níger”. Vanicléia alertou sobre o problema de tratarmos a África como um bloco homogêneo, sem atentarmos para as especificidades, e darmos preferência a conhecer a Europa aos países do continente africano. “Essa visão eurocêntrica resulta da formação que temos. Precisamos refletir sobre como mudar essa orientação”, alertou.

Visita ao Laboratório de Triagem Neonatal, com o técnico Leandro Souza e o coordenador Roberto Ladeira. Foto: Jéssica Carvalho.