Nupad inicia projetos pilotos com teste do pezinho para avaliar incidência de mais duas doenças raras

Dados poderão subsidiar decisão do Estado sobre a ampliação do programa de triagem neonatal.

Atualmente o exame de triagem neonatal, conhecido como teste do pezinho, é realizado gratuitamente à população de Minas Gerais para diagnosticar seis doenças. Mas, no último mês o Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico e a Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais, responsáveis pela realização do exame no estado, iniciaram dois projetos pilotos para verificar a frequência de outras doenças genéticas na população.

Agora, além de hipotireoidismo congênitofenilcetonúriadoença falciformefibrose císticadeficiência de biotinidase e hiperplasia adrenal congênita, os recém-nascidos podem ser testadaos para defeitos de beta-oxidação dos ácidos graxos e síndrome da imunodeficiência combinada grave (SCID). Esses resultados podem subsidiar a decisão da gestão sobre a ampliação do teste do pezinho, incluindo a detecção dessas alterações.

A previsão é que os estudos tenham duração de até dois anos, de acordo com seus objetivos específicos. A professora aposentada do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina e coordenadora acadêmica do Nupad, Ana Lúcia Pimenta Starling, explica que a proposta é triar 500 mil recém-nascidos para defeitos de beta-oxidação e 240 mil para SCID.

Durante esse período, e também posteriormente, haverá o acompanhamento clínico dos pacientes diagnosticados e tratamento. Além disso, será avaliado o método empregado para triagem da SCID (por biologia molecular), bem como estudada a implantação da espectrometria de massa na triagem da fenilcetonúria em Minas Gerais.

“As duas doenças em questão são raras, das quais precisamos adquirir know-how no diagnóstico e tratamento precoces. Temos pessoas capacitadas para isso, mas ainda é muito difícil o diagnóstico precoce com o teste de triagem que é feito atualmente”, afirma Ana Lúcia. “Ou seja, os pacientes com essas doenças já chegam no serviço quando estão acometidos pelas manifestações. Por isso é importante conhecermos as doenças e a incidência na população, para que possamos subsidiar a tomada de decisão pelo gestor do Programa de Triagem Neonatal a respeito da ampliação”, continua.

Ela acrescenta que para a inclusão no Programa é preciso avaliar critérios como a frequência relativamente alta, tratamento eficaz (que minimize ou impeça as manifestações clínicas) e o impacto de ter o diagnóstico precoce para se iniciar o tratamento antes das manifestações.

“Com o estudo piloto será possível demonstrar quais são os critérios que essas doenças atendem e isso facilita a tomada de decisão pelo gestor”, destaca Starling. “Quando se faz um projeto de pesquisa, é preciso responsabilizar-se pelo paciente que está sendo triado e diagnosticado. Nosso objetivo é triar, diagnosticar, tratar e acompanhar. Por isso há doenças que não foram incluídas nesse processo”, pontua.


Defeitos de Beta-oxidação dos ácidos graxos

É uma doença genética metabólica em que o organismo não consegue oxidar os ácidos graxos, as gorduras, devido à ausência ou mal funcionamento de uma enzima específica. Dessa forma, como por serem uma importante fonte de energia, a pessoa não consegue viver de maneira adequada.
A criança com a doença nasce normal e pode iniciar as manifestações nos primeiros meses ou anos de vida. Alguns sintomas são glicose baixa no sangue, convulsões, náuseas e vômitos, sonolência, desânimo, alterações no fígado e moleza. Ainda que raramente, também pode falecer nos primeiros dias de vida.
Caso diagnosticada, pelo teste do pezinho, a criança será tratada e, provavelmente, não manifestará a doença, tendo uma vida normal ou bem próxima à normalidade.

Síndrome da Imunodeficiência combinada grave (SCID)

É uma doença genética em que os níveis de anticorpos são extremamente baixos, além das células T (linfócitos) terem um número muito diminuído ou serem inexistentes. Com essa acentuada diminuição das defesas do corpo, a pessoa fica suscetível às complicações por infecções, mesmo as mais leves, adquiridas nos primeiros meses de vida.
Apesar de nascer sem aparência de alguma alteração, as manifestações se iniciam em pouco tempo, com repetidas infecções, geralmente graves e que podem levar à morte.
Se diagnosticada pelo teste do pezinho, nos primeiros dias de vida, a doença pode ser tratada, tendo alta taxa de sobrevida e com a possibilidade de viver normalmente.


Como está sendo feito

Ana Lúcia conta que antes dos projetos iniciarem na prática, em 15 de outubro, houve a preparação técnica e logística. Para a pesquisa sobre defeitos da beta-oxidação o Nupad já tinha o aparelho necessário e o restante da estrutura laboratorial pronta. Os técnicos receberam treinamento e foi feita a calibração da metodologia usada, com definição do ponto de corte para suspeita das doenças. Avaliar essa definição é, inclusive, um dos objetivos do estudo. Já em relação a SCID, o Nupad teve que se capacitar tecnicamente, por se tratar de uma metodologia que usa biologia molecular, o que é mais complexo.

Os profissionais de saúde responsáveis pelo teste do pezinho em Minas Gerais também receberam as orientações sobre os projetos e sobre a permissão dos pais para realização ou não dos novos testes. Além disso, eles podem entrar em contato com o Nupad a qualquer momento para demais esclarecimentos, como também é feito com as demais doenças triadas.

Mas não há mudanças em relação a coleta do material. “O sangue será coletado em papel filtro como já é feito no teste do pezinho, rotineiramente. Não é necessário coletar a mais. Por se tratar de um projeto de pesquisa, é necessária a autorização dos pais para que o Nupad também inclua a realização dos novos exames com esse material coletado. Se houver suspeita de alguma das duas doenças, eles serão chamados para assinar o termo de consentimento livre e esclarecido, que autoriza a realização de novos testes para confirmação ou exclusão do diagnóstico da doença na criança. Aí nessa etapa será feita uma nova coleta de materiais”, esclarece Ana Lúcia.

Essa conduta é feita para qualquer recém-nascido com suspeita de ter alguma dessas doenças, independentemente de onde reside: em Belo Horizonte ou em uma cidade do interior de Minas Gerais, assim como acontece quando se detecta a possibilidade para algumas das seis doenças já triadas pelo teste do pezinho. A professora explica como é feito:

“O Nupad tem uma capilaridade muito grande dentro do estado, com mais de 3500 postos de coletas distribuídos pelos 853 municípios. Temos um sistema de informática que, com base no resultado do exame e em caso de suspeita para alguma doença, aciona o Setor de Monitoramento do Cuidado e Treinamentos (SMCT) do Núcleo. Ele localiza a UBS onde foi feito o exame e a própria UBS, em uma parceria importante com o Núcleo, faz a busca ativa da criança, já com a consulta marcada ou para solicitar uma segunda amostra para exame. E tudo isso é feito principalmente pelo site do Nupad, onde o resultado é disponibilizado em poucos dias, tanto para a UBS quanto para os pais. Isso independente da pandemia. Desse modo, temos uma busca ativa e controle muito eficaz e seguro

Ela informa, ainda, que o Nupad tem um convênio com o Hospital das Clínicas da UFMG. Assim, a criança com suspeita de defeito da beta-oxidação é encaminhada ao Ambulatório de Erros Inatos do Metabolismo do HC, onde será feita consulta especializada e solicitados os exames confirmatórios, assim como indicado o tratamento. Nesses casos, o tratamento é dietético, com baixa ingestão de lipídios e, às vezes, acréscimo de algum tipo específico de lipídio, o que varia de acordo com o defeito. Não há necessidade de suprimentos de aminoácidos, por exemplo, e alguns casos precisam de medicações que são simples de obter.

Já no caso de SCID, as crianças diagnosticadas vão ser acompanhadas e tratadas no Ambulatório de Deficiências Imunológicas Primárias do HC, onde já é feito o acompanhamento e tratamento de pacientes com manifestações clínicas da doença.

Concluindo, a professora ressalta a importância de possibilitar o diagnóstico precoce para as doenças raras:

“Com base na literatura e na minha experiência no tratamento de biotinidade e fenilcetonúria, o diagnóstico precoce tem um custo-benefício maior para o gestor. Além disso, esses pacientes – sem as manifestações graves das doenças – podem contribuir com a sociedade, já que estarão aptos a estudar, trabalhar e ter uma vida normal, com as mesmas oportunidades, assim como qualquer outra pessoa”

Projetos Pilotos do Nupad

  • Incidência das desordens de β-oxidação dos ácidos graxos: defeitos da acil-CoA desidrogenases de ácidos graxos de cadeia muito longa (VLCADD), de cadeia média (MCADD), de cadeia curta (SCAD), da 3- hidroxiacil-CoA desidrogenase de cadeia longa (LCHADD) e de cadeia curta (SCHAD) e fenilcetonúria (PKU), por espectrometria de massa em tandem (MS/MS), no âmbito do Programa de Triagem Neonatal de Minas. Análise da evolução clínica imediata pós-triagem.
  • Incidência da imunodeficiência combinada grave (SCID) em recém-nascidos de Minas Gerais.