A maioria dessas doenças não tem cura, exigindo que pacientes e familiares aprendam a se adaptar.
Uma doença é considerada rara se a taxa de incidência for menor do que 65 pessoas em cada 100.000. Apesar da classificação passar a ideia de poucas ocorrências, há cerca de 7 mil tipos existentes no mundo, sendo 80% de origem genética e 13 milhões de pessoas diagnosticadas só no Brasil. Para lembrar sobre essas diferentes patologias e as dificuldades enfrentadas por seus pacientes, uma inciativa europeia estabeleceu 29 de fevereiro como o Dia Mundial das Doenças Raras.
Segundo a professora aposentada do Departamento de Propedêutica Complementar da Faculdade de Medicina da UFMG, Eugênia Ribeiro Valadares, uma pessoa com doença rara demora oito anos, em média, para identificar qual o seu distúrbio, além de passar por cerca de oito especialistas diferentes até o diagnóstico final. Com a demora no início do tratamento, os pacientes podem ter complicações, principalmente quando manifestam na infância.
“Quando a doença atinge uma criança e ela não fica bem, toda a família é afetada. Por isso a triagem neonatal é importante, para evitar maratona de médicos, exames, diagnósticos errados e tratamentos desnecessários”
Atualmente, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece assistência ampla por meio da Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, ofertando exames diagnósticos e tratamentos gratuitos para os tipos mais comuns no país, além de uma série de diretrizes para melhorar a qualidade de vida dessas pessoas. A triagem neonatal, por exemplo, mais conhecida como teste do pezinho, é uma das formas de diagnosticar precocemente distúrbios raros e encaminhar os pacientes para o início do tratamento.
Importância do diagnóstico precoce
Em Minas Gerais, o teste do pezinho, disponível na rede pública, diagnostica seis doenças nos recém-nascidos: hipotireoidismo congênito; fenilcetonúria; doença falciforme; fibrose cística; deficiência de biotinidase e hiperplasia adrenal congênita. Dessas, somente a doença falciforme não é considerada rara no estado, pois sua incidência é cerca de 1 para cada 1.400 pessoas, ou seja, mais frequente do que o determinado para classificação de rara.
No entanto, uma nova lei estadual prevê a ampliação do exame, mas ainda é preciso regulamentar para saber quais serão as novidades. Eugênia defende que também é necessário que as doenças acrescentadas tenham acompanhamento e assistência pelo SUS.
“Sem dúvidas, quando acrescenta uma doença à triagem, possibilita melhor qualidade de vida para esses pacientes. Mas, não basta apenas fazer o teste do pezinho. É necessário garantir um tratamento personalizado, com equipe treinada, para evitar as sequelas das doenças”, Eugênia Ribeiro
Ela acrescenta pontos relevantes para a ampliação do teste. “Na época, as pessoas criticaram, por exemplo, a inclusão da fenilcetonúria no teste do pezinho, por ter pouca incidência. Mas não se sabia que existiam vários casos da doença, cerca de 1 a 2 novos pacientes por mês. Para quem não tem o distúrbio, considera que a ampliação é uma bobagem. No entanto, para quem convive com ele, significa a vida da pessoa”, afirma.
Como é conviver com uma doença rara?
A policial Luna Soares Nascimento foi diagnosticada com fenilcetonúria pelo teste do pezinho. Hoje, com 30 anos, ela conta como é conviver com essa doença que exige dieta especial, evitando alimentos com fenilalanina, como os ricos em proteínas. “As adaptações alimentares são as mais difíceis. Porém, a tecnologia tem facilitado nas receitas, além da nova tendência vegana que facilita conseguir alimentos mais diversos”, afirma.
Para ela, o diagnóstico ainda recém-nascida foi responsável pelo impacto não ser maior, já que, se não tivesse recebido os devidos cuidados, poderia manifestar atraso no desenvolvimento neuropsicomotor e lesão cerebral irreversível. “Ter descoberto a doença precocemente propiciou-me ter capacidade cognitiva e motora, além de conseguir passar em dois concursos públicos”, ressalta.
Inclusive, ela destaca: “Esse termo ‘doença’ para mim nunca existiu. Nunca me senti como uma pessoa doente, sempre levei uma vida ‘normal’”. “Algo que sempre tentei propagar é a aceitação de todos em entender que somos normais e não precisamos ser tratados de forma diferente”, acrescenta.
“A importância do Dia Mundial das Doenças raras está na divulgação e no conhecimento das pessoas sobre a doença rara em si. Saber se de fato há ou não uma limitação ou se há um tratamento e como dar qualidade de vida para quem tem e convive com essas doenças”, Luna Soares Nascimento
Enquanto Luna pôde receber o diagnóstico nos primeiros dias de vida, o Théo, filho da jornalista Larissa Carvalho, passou por diferentes especialistas, por mais de um ano, até ser diagnosticado com acidúria glutárica, uma doença rara que incapacita o metabolismo de proteína. Devido a essa deficiência metabólica, a proteína não é absorvida e causa intoxicação no cérebro, matando os neurônios.
“Quando ele tinha 5 meses de idade, percebemos que já tinha algo diferente. Não passava objeto de uma mão para a outra e não firmava a cabeça. Com a ressonância magnética, os médicos perceberam que ele tinha perdido alguns neurônios, mas não sabia a causa. Somente com 1 ano e 10 meses foi diagnosticado, a partir de um exame simples de sangue e urina”, relata a mãe.
O atraso na identificação do problema afetou o desenvolvimento de Théo, já que sua alimentação antes do diagnóstico era rica em proteína com o leite materno, ovo e carne, intoxicando seu organismo. Essa foi a motivação para a Larissa começar a defender a ampliação da triagem neonatal para a identificação de pelo menos 25 doenças.
“Se o meu filho tivesse o diagnóstico no teste do pezinho, eu não teria amamentado, eu não teria dado papinha com ovo, carne, feijão ou outros alimentos ricos em proteína”, argumenta a jornalista ao defender a mudança na detecção precoce ofertada pelo SUS. “Acredito que toda mãe tem direito ao diagnóstico. Mesmo que a doença não tenha tratamento pela rede pública, o que seria o ideal. É desumano esconder o diagnóstico dos pais”, acrescenta. Outra questão que ela acredita que deva mudar é sobre a melhora na conscientização sobre a possibilidade de realizar o exame ampliado na rede privada.
Larissa Carvalho se uniu a ONG Vidas Raras, que defende a ampliação do teste do pezinho no Brasil. Para saber mais, acesse o site.
Hoje, o Théo tem 4 anos e é acompanhado pela rede pública de saúde. De acordo com Larissa, é onde tem “todo o apoio necessário, os médicos são ótimos e entendem melhor os pacientes com doenças raras”. Ela também conta com o sistema público, apesar da demora e dificuldade em conseguir, no fornecimento do leite que seu filho precisa e tem alto custo. Inclusive, a jornalista aconselha aos pais de crianças com alguma doença rara a “procurarem atendimento jurídico junto à Defensoria Pública e ver o que o paciente tem direito, como cadeiras de rodas ou acompanhamento com algum profissional de saúde específico”.
No entanto, para ela, o principal é que essas famílias se unam para se ajudarem e se fortalecerem. “O início é complicado mesmo, tanto da parte emocional, cotidiana ou financeira. Eu nunca duvidei do amor que tenho pelo meu filho. A questão é o baque e o desespero que batem, porque exigem mudanças grandes. Por isso é preciso se fortalecer para dar conta de passar por isso. Não pode ter receio de procurar ajuda”, relata.
“É preciso acreditar que a vida é boa, ainda que venha uma criança fora do padrão que se espera. Eu, por exemplo, já retomei o rumo da felicidade totalmente. Voltei a sorrir plenamente, a comer normalmente, minha família já faz viagens planejadas. A rotina se encaixa, a vida se ajeita. Depois disso, vamos descobrindo felicidades enormes juntos”, Larissa Carvalho
*Giovana Maldini – estagiária de jornalismo
Edição: Deborah Castro